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Lately

Histórias, opiniões, desabafos, receitas...

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Histórias, opiniões, desabafos, receitas...


Miguel Mósca Nunes

23.08.24

 

"A quase morte é um contacto momentâneo com outra realidade, ou assim parece a quem relata esta experiência. Uma pessoa está deitada na sala de urgências ou unidade de cuidados intensivos. O coração pára e, para todos os efeitos, segue-se a morte. No entanto, alguns destes pacientes, tipicamente os que sofreram paragem cardíaca, podem ser ressuscitados. Quando são, 20% referem pelo menos um dos sintomas de EQM (a abreviatura de experiência de quase morte na literatura médica) - separar-se do corpo, olhar para baixo e ver-se na sala de operações, ver executar actos clínicos quando os médicos tentam reactivar-lhes o coração, encontrar um túnel, ir na direcção de uma luz brilhante, sentir a presença de um poder superior, ouvir e ver entes queridos fazerem sinal para avançarem."

Deepak Chopra, A Vida depois da Morte 

 

Nota: Numa sondagem Gallup de 1991, 13 milhões de americanos, aproximadamente 5% da população, referiram que tinham tido uma dessas experiências. 

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Imagem de Hieronymus Bosch, Heavenly Paradise, c. 1505-1515, oil on panel (oak), Venice, Museo Palazzo Grimani


Miguel Mósca Nunes

13.08.24

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Quando quero reflectir sobre o meu caminho e as escolhas que fiz, refugio-me na escarpa da alma, onde encontro a resposta para as dúvidas e o calmante para os receios. Um dia destes fui parar a Santa Cruz, em sonhos, à procura do embalo do oceano, e ali fiquei perdido, horas a fio.

Olho para trás e reconheço que poderia ter sido outra coisa completamente diferente. Poderia ter sido actor. Sim, era isso que gostaria de ter sido... um actor. Passei fugazmente pelo palco, nos ensaios de uma peça de Oscar Wilde, “A Importância de Se Chamar Ernesto”, encenada pelo João Mota. Era a Adelaide João que me abria a porta da Comuna, a porta para um mundo que acabaria por não ser meu. Aquele mundo era soturno, escuro, cheio de panos negros e cheirava a antigo, a passado e a desencanto, num país em que a arte não é para toda a gente e não é valorizada. Neste país a arte não é para todos. Não convém...

Lamentavelmente, só cheguei aos ensaios do segundo acto. Tudo aquilo terminou, sem sequer estrear, pela ausência do encenador... Não estaria para aturar um bando de entusiastas amadores e deixou de aparecer... Desencantado pela desconsideração e falta de compromisso, o elenco sucumbiu à frustração, desistiu da peça e desmembrou-se, mas tive ali o vislumbre do que queria ser, do futuro que queria para mim. Foi ali que tive a certeza...

Essa experiência, ainda que insatisfatória no plano das expectativas que criamos sobre as pessoas e, por isso, desilusória, fez com que tivesse a certeza absoluta de que queria ser Actor. Contudo, não foi suficientemente forte para vergar a cobardia e fazer com que mudasse totalmente o rumo da minha vida. Tinha de ser assim, caso contrário o meu presente não seria este. Tudo tem uma razão. Tudo faz sentido, mais cedo ou mais tarde. A expensas da minha vocação, tenho este agora que é maravilhoso, sobretudo pelas pessoas que estão comigo.

No final, lá mais para a frente, daqui a umas três ou quatro décadas (estou a ser optimista), sobrará o vento, as nuvens e o mar.

 

 


Miguel Mósca Nunes

07.08.24

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Tentei, reunindo todas as minhas forças, evitar falar sobre isto, mas não consegui... Sobretudo porque estamos num país em que este fenómeno é muito comum. Esta coisa absurda de assistirmos a gente, altamente "qualificada" e com uma enorme visibilidade, a tentar falar num idioma que desconhecem.

Vimos isso no Socrates, que de espanhol e de inglês não percebia patavina, mas que insistia em discursar daquela forma e que, como chefe de governo, dava uma imagem lamentável de Portugal e dos portugueses. Onde é que a criatura terá andado a estudar? O que terá feito com o tempo que passou nas aulas? E chegou a primeiro ministro...  Mais recentemente, temos assistido a esta incompetência na Web Summit...

Sempre presumi que, para executarmos uma tarefa ou uma função, temos de estar preparados. Convém que reunamos condições, competências, skills... Se não tenho condições, se não tenho competências, das duas uma: ou arranjo maneira de as adquirir, ou então não me aventuro. Não faço uma coisa que não sei fazer. Não edito um livro sobre uma matéria que desconheço, por exemplo...

No meio disto tudo, preocupa-me especialmente a mensagem que esta gente, privilegiada por ter acesso a estas plataformas, e privilegiada por ter tido a possibilidade de se preparar e qualificar, embora não o tenha feito, está a enviar. Estamos a falhar todos, por permitirmos que o mérito não tenha valor nenhum. Estamos a falhar todos, por haver gente que sabe falar inglês, mas percorre as ruas de uma qualquer cidade, de madrugada, a recolher lixo. Estamos a falhar todos, por permitir que o esforço e o estudo sério passe para segundo plano, como uma coisa de gente parva, que só perdeu o seu tempo porque é ultrapassada por aqueles que vendem muito bem a sua imagem.

Estudar para quê? Aprofundar correctamente uma língua, para quê, se para discursar na Web Summit não é necessário muito mais do que um inglês (muito abaixo do) básico...

Se calhar, estou a ser um grande parvalhão, e a desperdiçar grandes oportunidades para brilhar, mesmo que coxo... mesmo que seja tudo às três pancadas... enfim, sou um idiota ético.


Miguel Mósca Nunes

06.08.24

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De acordo com o combinado, os dois amigos estacionaram as bicicletas mesmo em frente ao portão da Dona Leucádia, às dez para as três da tarde. Entretanto, ela já os estava a ver pela janela do quarto e abriu-a para lhes pedir que entrassem e colocassem as bicicletas dentro da propriedade, para que não fossem roubadas. Conforme tinham prometido, foram equipados com ténis e agasalhos, e levaram as mochilas, com sandes e garrafas de água, às quais Dona Leucádia juntou umas madalenas de maçã e canela.

 Enquanto esperavam que a dona da casa desse uma volta às várias divisões, para verificar se as janelas estavam todas fechadas, sentaram-se na cozinha e foram comendo o que estava por ali. Avelãs, passas, bolachas de amêndoa… os dois garotos pareciam umas trituradoras de comida.

 Eram três e meia da tarde quanto saíram de casa da velhota e iniciaram o percurso, sempre com as indicações de Dona Leucádia. Demoraram cerca de trinta minutos para saírem do Jerumelo e chegarem à estrada principal, que atravessaram. A partir daquela altura, entrariam na floresta. E foi o que fizeram.

 Percorreram uns escassos metros, e lá estava a coruja branca, pousada num pinheiro. A ave estava imóvel, com os seus olhos verde-escuros a observá-los.

 ― Dona Leucádia, veja quem está ali, naquele pinheiro ― disse João, fazendo com que Ricardo também olhasse na mesma direção.

 ― Credo, que coisa esquisita! ― exclamou Dona Leucádia. ― Ela acompanha-me sempre nestas idas a casa da Merinda. Sempre, sempre…

 ― É mesmo esquisito! ― afirmou Ricardo. ― Eu acho até que é assustador.

 ― Assustador?! ― perguntou João, querendo que Ricardo esclarecesse melhor o que queria dizer.

 ― Sim! Então, se a coruja aparece sempre que a Dona Leucádia vai a casa da bruxa e, ainda por cima, já a vimos a espreitar para dentro de casa…

 Quer João, quer Dona Leucádia acharam que Ricardo tinha razão. Havia qualquer coisa de muito estranho, assustador mesmo. De repente, a presença da coruja fê-los sentir um grande incómodo, levando-os a pensar a mesma coisa: o animal estava ali por uma razão qualquer, que eles não compreendiam, mas que existia.

 ― Será que ela nos está a vigiar?! ― questionou Ricardo, cortando os pensamentos dos outros dois.

 ― Credo, filho! Eu nem quero pensar numa coisa dessas! ― respondeu Dona Leucádia.

 ― Eu não a quero assustar, mas que é muito estranho, lá isso é ― concluiu Ricardo, enquanto observava a coruja branca. ― Olhem para aquilo, nem se mexe.

 Mas a seguir mexeu-se. Levantou voo, exibindo um deslumbrante batimento de asas, e os três exploradores ficaram a admirar a cena.

 ― Não acham que devemos continuar? ― perguntou João, tentando desviar a atenção do assunto assustador. ― Estamos a perder tempo, aqui parados, a olhar para uma coruja.

 ― Tens razão, filho, vamos continuar, que isto ainda leva algum tempo.

 ― Quanto tempo, Dona Leucádia? ― perguntou Ricardo.

 ― Depende… se a coisa correr bem, é para aí uma meia hora. Se a coisa correr mal…

 Os dois amigos entreolharam-se e fizeram, ao mesmo tempo, uma expressão de preocupação. «A aventura pode correr muito bem, ou muito mal…», repensou João, um pouco irritado com a resposta de Dona Leucádia. Estava a acreditar mais na segunda hipótese.

 Começaram a subir uma espécie de ladeira, com eucaliptos de um lado e do outro, onde existiam alguns troncos caídos que tiveram de pular. Dona Leucádia, para a idade que aparentava ter, tinha uma agilidade espantosa. Teve tanta facilidade quanto a dos dois jovens, quando se tratou de passar por cima dos troncos, coisa que estes acharam estranhíssima. Aliás, desde que tinham avistado a coruja que estavam a achar tudo muito estranho.

 Repentinamente, cheirava a chocolate.

― Hummmmm, que cheirinho tão bom… É este o cheiro que às vezes sentimos na Malveira ― disse João, a salivar.

 ― Sim, claro! A Merinda está ocupada há umas semanas largas a preparar tudo ― disse Dona Leucádia, não se apercebendo do olhar espantado dos ouvintes.

 ― A preparar tudo, o quê? ― perguntou Ricardo.

 ― Ora essa, os chocolates! ― exclamou Dona Leucádia, como se já tivesse falado com os rapazes sobre o assunto.

 De facto, já tinha falado imensas vezes sobre os chocolates, mas com outras pessoas da vila, que não acreditavam numa única palavra que dizia. Com os rapazes falara de vários pormenores, exceto deste.

 ― Mas que chocolates, Dona Leucádia? ― quis saber João, já um pouco impaciente.

 ― Os chocolates que as crianças recebem no dia 31 de outubro, por conta das partidas que foram fazendo. E também no Natal!

 ― Não posso acreditar! A sério?!

João estava excitadíssimo, lembrando-se dos chocolates que ainda tinha em casa.

 ― É a Merinda quem os prepara e os distribui ― completou Dona Leucádia.

 ― Por isso é que andou toda a gente doida, a querer saber quem tinha colocado os chocolates nos parapeitos! ― exclamou Ricardo.

 ― Sim! Já estavam com grandes teorias, a dizer que os pais tinham combinado tudo entre eles ― completou João. ― Afinal é a bruxa!

 ― Mas há amigos nossos que não receberam nada! ― disse Ricardo, intrigado.

 ― Isso é porque não pregaram uma única partida ― explicou Dona Leucádia.

 Os garotos, se fossem balões, há muito que teriam rebentado de tanto entusiasmo. Andaram mais uns dois quilómetros, sempre a conversarem com regozijo, porque finalmente estavam a perceber que os cheiros misteriosos que nos últimos tempos existiam na vila também tinham uma explicação. A apreensão causada pela coruja já tinha desaparecido.

De repente, estacaram os três. No caminho, estava um lobo, com um tamanho que os rapazes não julgavam possível naquela espécie, parado, a olhar para eles. Sem qualquer explicação, viram Dona Leucádia avançar até ao animal e começar a falar.

 ― Olá, meu menino! Tão querido o menino da avó. ― Dona Leucádia fazia festas e segurava o focinho do lobo. ― Quem é o menino mais lindo da sua vovó?!

 João e Ricardo estavam agora de queixo caído. Aquele ser que estava ali a receber festas teria mais meio metro do que Dona Leucádia, se se pusesse de pé, apoiado nas patas traseiras.

 ― Meus queridos, venham conhecer um dos meus amigos da floresta ― disse, felicíssima. ― Este acompanha-me de vez em quando. E não é estranho como a coruja ― concluiu, rindo-se à gargalhada.

 Com cautela, os garotos foram-se aproximando, mas à medida que estavam mais perto mais tranquilos ficavam. Até que deram por eles junto do animal, a fazer-lhe festas. A partir desta altura, caminharam sempre a quatro. Aos quarenta minutos de percurso, verificados no relógio de João, Dona Leucádia estava admirada com o facto de o caminho se estar a fazer tão bem, como quando o fazia sozinha. Habitualmente, quando ia com outras pessoas, as dificuldades começavam logo de início e até àquela altura ainda não tinham surgido as malditas falhas de memória.

 ― Dona Leucádia, estamos quase a chegar? ― perguntou João. ― É que já passou meia hora…

 ― Para espanto meu, parece que as coisas estão a correr muito bem. E já estou com fome.

 Resolveram fazer uma pausa para comer. E o lobo também lhes fez companhia, deliciando-se com as madalenas que Dona Leucádia lhe ia dando à boca. Uma considerável boca.

 Passado algum tempo, não se sabe quanto pois os relógios dos três exploradores tinham parado, para seu enorme espanto, retomaram o caminho e caminharam bastante até desembocarem numa clareira. Os olhares das três criaturas ficaram focados numa porta gigantesca, localizada a escassos metros dos seus pés.

 João e Ricardo não queriam acreditar no que estavam a ver.

 ― Meninos! Meninos! ― exclamou Dona Leucádia, felicíssima, com as faces roborizadas pelo entusiasmo. ― É a primeira vez! A primeira vez que consigo trazer aqui alguém!

 ― Então, e agora? ― perguntou Ricardo, olhando surpreendido para Dona Leucádia, que continuava a esbracejar e a voltear, parecendo uma adolescente a dançar, frenética, no baile de finalistas da escola.

 ― Nunca, mas nunca, tinha conseguido cá trazer alguém!

Dona Leucádia continuava naquele frenesim rodopiante.

 ― Vamos lá bater? ― perguntou João, num misto de receio, curiosidade e entusiasmo.

 ― Bater? ― Dona Leucádia parou. ― Oh, sim, bater… Sim, vamos bater à porta, claro.

 ― Tem certeza de que a Merinda não nos faz mal? ― perguntou Ricardo, com uma expressão carregada de quem estava com medo.

 ― Fazer mal, meu querido? ― perguntou, espantada, a velha senhora. ― Alguma vez?! A Merinda é um doce de pessoa. Vamos lá!

 Caminharam em direção ao casarão. Naquela clareira havia bastante folhagem no chão de terra ocre, e os três iam pisando alguns ramos secos e quebradiços, emitindo estalidos aqui e ali. O dia tinha escurecido, e o aspeto do arvoredo estava medonho. Pararam a alguns centímetros da imponente porta castanha escura, cheia de veios, alguns muito profundos.

 Dona Leucádia segurou no pesado batente de ferro ferrugento em forma de lua e, com algum esforço, fez soar três grandes pancadas.

 

in Merinda, Miguel Mósca, Edições Vieira da Silva, 2019


Miguel Mósca Nunes

01.08.24

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A Voz de Celine Dion ouviu-se em Paris, depois de um longo percurso de regeneração e cura. Independentemente da polémica sobre ser ou não ao vivo, a sua actuação foi brilhante, inspiradora e triunfal. Precisamos disto hoje, mais do que em alguma outra altura.

Ela é, definitivamente, uma das maiores cantoras de sempre, e essa qualidade nota-se sobretudo quando canta em francês. As palavras são cantadas de maneira diferente, o vibrato é mais rico, mais profundo.

Parabéns, Celine Dion, pelo extraordinário regresso! 

 


Miguel Mósca Nunes

27.07.24

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Começa a ser cada vez mais difícil não duvidar da veracidade deste atentado. Costuma-se dizer que quanto mais se mexe na merda, mais fede. É o que se passa nesta aflição atrapalhada que o FBI está a ter em mostrar evidências.

Imagino a correria, os gritos e a salgalhada de por ali vai e só tenho vontade de rir. Rir à gargalhada porque somos uns idiotas se não tivermos dúvidas.

Hahahahah...


Miguel Mósca Nunes

23.07.24

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13 de Julho de 2024, 18 horas e 10 minutos, Pensilvânia.

̶   Está tudo preparado Mr. Trump…

̶   Vejam lá se não me lixo desta vez!

̶  Não se preocupe, está tudo a postos e as balas vão passar a uma distância de segurança mais do que suficiente…

̶  O que quer que isso signifique…  ̶    olhou de forma jocosa para o homem alto e robusto que estava à sua frente, elegantemente vestido de preto, com auriculares nos ouvidos e com um coldre escondido no flanco esquerdo, que albergava uma arma de calibre 9 mm.

̶  Não se esqueça de levar a mão à sua orelha assim que ouvir o primeiro disparo, Mr. Trump  ̶  falou ao mesmo tempo que procurava, nos olhos de quem estava à sua frente, a certeza de que a mensagem tinha sido compreendida  ̶  , basta pressionar, que a cápsula faz o resto.

O homem de preto agarrou a mão direita do portador de uma ambição desmedida e descontrolada pela presidência de um dos maiores países deste mundo retorcido, e colou a invisível cápsula na falange proximal do dedo médio. Passados cinco minutos, aquela figura estava a discursar em cima de um palanque, com uma crédula moldura humana à sua volta.

 

22 de Julho de 2024, 09 horas e 25 minutos, Washington, D.C.

̶  À conta daquele bandalho assassino, vou levar com horas a fio de um interrogatório vergonhoso!  ̶  disse Kimberly Cheatle, directora dos Serviços Secretos Americanos, ao mesmo tempo que se dirigia a passos largos para a Câmara dos Representantes, na Ala Sul do Capitólio.  ̶  O idiota está a destruir-nos, a comprometer irremediavelmente a nossa credibilidade e a levar-nos para o buraco!

À medida que se aproximava da sala, o rubor da sua face começava a ser visível, e lutava estoicamente contra a sua vontade de pedir a demissão.


Miguel Mósca Nunes

17.07.24

A banda sonora do filme "Merry Christmas Mr. Lawrence", do brilhante Ryuichi Sakamoto, veio ter comigo através do youtube, e inundou-me de memórias da longínqua década de 80. O filme data de 1983 e conta com David Bowie. Sakamoto também já faleceu, passados 41 anos. Foi ontem que a música veio ter comigo, e tenho-a na cabeça até agora. Nela transparecem uma sensibilidade e uma genialidade que deixam marcas na alma. E estou nostálgico.

É curioso... não me lembro se fui ver este filme na altura, mas tenho quase a certeza de que o vi na tela grande, numa época em que reservava as férias do Verão para ir ao cinema, sozinho, por minha conta e sem interferência de ninguém, sem filtros, sem querer saber da idade recomendada. O mesmo acontecia com os livros, não havia limites ou censura - lia tudo o que me apetecesse.

Um solitário viajante no espaço e no tempo, através dos filmes e dos livros. Apanhava o autocarro nos Olivais e ia até aos cinemas Alfa, ao Londres, ao Império, ao Alvalade, ao S. Jorge, ao Condes, ao Eden, ao Monumental... o solitário sonhador que percorria as ruas de Lisboa cheio de pensamentos e de ideais, a acreditar num futuro brilhante. Na altura queria ir viver para Nova Iorque e viajar muito. Conhecer lugares, monumentos e museus, olhar para artefactos históricos.

Perco-me nestas memórias e vagueio infinitamente num tempo que já não é o meu, o tempo dos saudosos anos 80, como se estivesse adormecido.

Solitário.

 

Pai


Miguel Mósca Nunes

21.06.24

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O meu pai morreu há quase cinco anos.

A nossa relação nunca foi um mar de rosas, sobretudo porque ele não me entendia e eu também não o entendia. Não falávamos a mesma linguagem, não tínhamos os mesmos interesses, não partinhávamos os mesmos ideiais e muitas vezes embirrávamos um com o outro. Era uma relação difícil, de alguém que espera incessantemente pela aprovação que nunca chega e alguém que vê defraudadas as suas expectativas. Pelo menos é esta a visão que eu sempre tive.

Nunca recuperámos o tempo perdido, embora eu lhe tenha dito que o amava uns meses antes da partida, quando todos levantavam a mesa do jantar e se entretinham a tirar os cafés, e nós ficámos os dois sentados. Foi nesse hiato que eu e ele, pela primeira vez, ficámos iguais... acho eu... tenho quase a certeza de que aquele foi o nosso melhor momento, de uma vida inteira a fugir um do outro.

Tenho saudades tuas pai, saudades de fazer coisas que nunca fizemos juntos e de ter conversas que nunca tivemos... porque nunca nos encontrámos. Só naquele jantar, a escassos meses de ires embora. Só naquele jantar, quando te disse que te amava e te beijei a testa. Tu respondeste "também te amo". E quando disseste isto, foi como se a minha alma levasse um banho de amor, e senti a tua essência.

Passados uns meses, estava contigo no Hospital de São José, estavas inconsciente e sabia que não irias resistir. E voltei a dizer que te amava ao dar-te um beijo na testa. E lamentei o tempo que perdemos numa luta que não seria suposto existir entre pai e filho. Mas ali estávamos novamente iguais, porque eu sabia que me estavas a ver, à tua beira, a despedir-me.

Passados quase cinco anos, ainda estou à espera de um sinal teu, de te sentir perto de mim.

Vamo-nos encontrar noutra dimensão, serenos e livres, a olhar um para o outro.

Iguais.

 

 


Miguel Mósca Nunes

06.06.24

"Hitler viveu sempre num mundo de sonhos. Há muito pouco realismo político em Mein Kampf. Ele estava à margem da política, quase se pode dizer na margem lunática da política. O extremismo, o tipo de linguagem que usou, não é a linguagem de uma democracia parlamentar, e acho que isso deveria ter dado às pessoas uma pista sobre o quão indomável ele seria se chegasse ao poder, e como o usaria."
Em Hitler e os Nazis, serie documental em exibição na Netflix.

Isto deveria ser um abre-olhos, porque o que aqui se lê parece descrever o que se passa hoje em vários parlamentos europeus, onde lunáticos, com o apoio das suas turbas, debitam atrocidades a que não se tem dado importância, numa espécie de cegueira paternalista que vai tolerando o avanço insidioso de uma ideologia que alimenta as intenções dos insatisfeitos, dos que lutam todos os dias contra uma realidade a que os centralismos democráticos podres, incompetentes e corruptos, quer queiramos ou não admitir, os levaram.
Mas não é o extremismo que nos salvará.

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