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Lately

Histórias, opiniões, desabafos, receitas...

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Miguel Mósca Nunes

10.08.22

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Tive algumas dúvidas sobre se deveria escrever alguma coisa no dia de hoje. Porque é o dia do meu aniversário e pensei que não o deveria fazer. Hesitei, pensei... mas acabei por decidir escrever. Sobretudo porque é um imperativo de consciência, dado o panorama que nos rodeia. O horizonte é muito curto, com tantas manifestações de retrocesso civilizacional, tantos indícios de que estamos a perder direitos e a desrespeitar deveres, cada vez mais. Por estarmos a sofrer perdas irreparáveis no que diz respeito à cultura, aos ícones do feminismo e dos direitos humanos.

Com tantos absurdos ideológicos, com tantas aberrações de pensamento, com tantos idiotas a preleccionar obscuridades, numa Primavera murcha. Não deveria ser tempo do cair da folha. As lutas das últimas décadas estão a fracassar todas, perante um exército conservador, elitista, extremista e de pensamento balizado pela religião que lhes convém, interpretada à luz dos embustes e da perfídia que querem espalhar, criando metástases incuráveis.

Escrevo hoje porque tenho esperança de que haja uma inversão neste caminho espinhoso. Porque quero ser mais uma humilde semente da mudança, invocando o espírito de heróis, como Martin Luther King, Mahatma Gandhi ou Eleanor Roosevelt. Para exortar a consciência de cada um, num apelo à fraternidade que habita em todos nós, mais ou menos adormecida, a optar pelo bem. E o bem não está, certamente, na segregação, no racismo, na opressão, no impedimento à auto-determinação pessoal.

Tenhamos esperança...


Miguel Mósca Nunes

09.08.22

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Desapareceu deste planeta, ou deste plano, ou, se quiserem, desta dimensão, há dias, Ana Luísa Amaral, uma das mais geniais poetas dos séculos XX e XXI. A sublime e transcendental escritora, com uma voz que dourava todas as palavras que dizia, das pessoas mais sensíveis e inteligentes que Portugal teve o privilégio de ter como cidadã.

Esta poeta embalava-me no caminho para casa, sempre que a ouvia, ao entardecer, no programa «O Som que os Versos Fazem ao Abrir» da Antena 2, com aquela maneira singular de falar, de sonorizar cada palavra, de entoar cada expressão e frase. A sensação que tinha era a de estar a ouvir uma eremita, porque só uma eremita teria tempo para reunir em si tanta sabedoria; uma enciclopédia de conhecimento, mas, sobretudo, de emoções. Quando penso em Ana Luísa Amaral é esta a imagem que me surge imediatamente: a ler, a escrever, mergulhada em pilhas de livros, saindo do templo só para, generosamente, nos encantar.

Mas, como é evidente, este meu ideal da poeta só persiste porque não tive o privilégio de a conhecer pessoalmente e de experienciar a afabilidade que deixava transparecer. Quem seria eu se tivesse sido seu aluno, ou estado presente no Ciclo de Masterclasses «Pessoa convida Pessoas» ou no momento em que recebeu o Prémio Rainha Sofia? Ou, então, assistido à justíssima homenagem da Feira do Livro do Porto, em Julho último? Fantasiando mais um pouco, quem seria eu se a tivesse acompanhado à livraria Lello ou a uma qualquer esplanada do seu amado Porto?

Ao ouvi-la, perdia a noção deste tempo terreno, limitado, cruel, inexorável. Talvez seja esta, também, uma das razões pelas quais era tão marcante e tão saboroso. Porque tinha, precisamente, a sensação de estar a ludibriar o tempo. Estivesse nesse idílio horas a fio, nunca me cansaria, impregnado daquela torrente de erudição, que me afastava langorosamente da realidade.

Porque o que dali brotava era contraponto da mísera mundaneidade. Era a Verdade.

Desapareceu mais um bastião da cultura, do feminismo e da luta contra a desigualdade. Lamentavelmente.

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