Miguel Mósca Nunes
21.06.24
O meu pai morreu há quase cinco anos.
A nossa relação nunca foi um mar de rosas, sobretudo porque ele não me entendia e eu também não o entendia. Não falávamos a mesma linguagem, não tínhamos os mesmos interesses, não partinhávamos os mesmos ideiais e muitas vezes embirrávamos um com o outro. Era uma relação difícil, de alguém que espera incessantemente pela aprovação que nunca chega e alguém que vê defraudadas as suas expectativas. Pelo menos é esta a visão que eu sempre tive.
Nunca recuperámos o tempo perdido, embora eu lhe tenha dito que o amava uns meses antes da partida, quando todos levantavam a mesa do jantar e se entretinham a tirar os cafés, e nós ficámos os dois sentados. Foi nesse hiato que eu e ele, pela primeira vez, ficámos iguais... acho eu... tenho quase a certeza de que aquele foi o nosso melhor momento, de uma vida inteira a fugir um do outro.
Tenho saudades tuas pai, saudades de fazer coisas que nunca fizemos juntos e de ter conversas que nunca tivemos... porque nunca nos encontrámos. Só naquele jantar, a escassos meses de ires embora. Só naquele jantar, quando te disse que te amava e te beijei a testa. Tu respondeste "também te amo". E quando disseste isto, foi como se a minha alma levasse um banho de amor, e senti a tua essência.
Passados uns meses, estava contigo no Hospital de São José, estavas inconsciente e sabia que não irias resistir. E voltei a dizer que te amava ao dar-te um beijo na testa. E lamentei o tempo que perdemos numa luta que não seria suposto existir entre pai e filho. Mas ali estávamos novamente iguais, porque eu sabia que me estavas a ver, à tua beira, a despedir-me.
Passados quase cinco anos, ainda estou à espera de um sinal teu, de te sentir perto de mim.
Vamo-nos encontrar noutra dimensão, serenos e livres, a olhar um para o outro.
Iguais.