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Lately

Histórias, opiniões, desabafos, receitas...

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Histórias, opiniões, desabafos, receitas...


Miguel Mósca Nunes

05.11.24

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Existe uma tendência, perigosa e falsa, que corre neste nosso triste país, um país de tantas idiossincrasias, que é a da desresponsabilização dos docentes sobre o que se passa na escola e, mais especificamente, na sala de aula.

"O aluno revela falta de atenção e concentração na sala de aula, motivada por conversas paralelas que alguns alunos tendem a ter. É distraído e conversador. É pouco participativo e raramente cumpre as tarefas da sala de aula. Revela falta de hábitos de trabalho e estudo regular em ambiente extra aula, organização e empenho. De um total de 9 trabalhos de casa, o aluno realizou 7. O comportamento é Não Satizfaz."

Perante esta avaliação, surge-me logo a pergunta: a criatura que escreveu isto sabe qual é o seu papel como professor?!

Que papel julga ser o seu, em contexto escolar e de sala de aula? Qual a razão de fundo para que o referido aluno não se foque no que está a ser leccionado, ao ponto de conversar com os colegas? Partindo do pressuposto de que uma conversa implica dois ou mais intervenientes, que conclusão tira do facto de haver outros alunos que não prestam atenção ao professor? O que significa o facto de os outros alunos serem cativados pela interpelação do colega de turma, em vez de continuarem concentrados no discurso do professor?

Não sei se estão a perceber, mas o que o professor faz é transferir toda a responsabilidade para o aluno, não só da sua falta de atenção, mas a de todos os outros com quem conversa. Não questiona o facto de as conversas paralelas serem mais interessantes do que a matéria que debita. Porque será? Será que é um desinteressantíssimo incompetente?

A alarvidade chega ao ponto de não se questionarem sobre a eficácia do método que utilizam e do que andam para ali a fazer - e no meio disto tudo, o menos importante são os alunos.

Por outro lado, ao dizer que o aluno não tem hábitos de trabalho e estudo regular, está, mais uma vez, a transpôr a causa do insucesso para o exterior da escola, sobretudo para os pais, que trabalham, sim, mas não para a escola. Os pais não são professores! Normalmente, andam estoirados, trabalham como loucos, e tudo o que querem é chegar a casa e disfrutar de tempo de qualidade com os filhos.

A aprendizagem deve ser feita, sobretudo, na escola, que significa "estabelecimento de ensino, onde se ministram determinadas matérias, geralmente segundo programas e planos sistemáticos, adaptados às idades dos alunos. (...) Qualquer estabelecimento onde se ensine determinada disciplina, actividade, etc.." (Infopédia); É o "estabelecimento que se destina ao ensino, público ou particular." (Dicionário Online de Português). Querem mais? Acho que é suficiente para se perceber qual é a função da escola e dos professores.

A mediocridade grassa na classe docente. Uma classe pobre de verdadeiros valores, de ética e de sentido de serviço. Mas há outra coisa que falta, e que é fundamental: a inspiração. Se o professor não inspirar os alunos, se não estimular a sua criatividade, se não os acolher com verdade e empenho, se não olhar para eles como sendo a forja de um mundo muito melhor, se não acreditar neles, se não se esforçar por entender o que tem à sua frente, se não for empático, se não assumir que tem de tomar as rédeas do que se passa no seu domínio para cumprir a sua missão, nada mudará!

A responsabilidade do que se passa na escola é, sobretudo, dos professores!

Sejam competentes e cumpram a sua missão! 

 

 


Miguel Mósca Nunes

17.01.23

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São apenas mais um dos sintomas de que a sociedade está doente. O percurso escolar dos meus filhos demonstrou, infelizmente, que a maioria não tem perfil para o exercício de uma profissão tão importante e determinante para o futuro de seres que só querem ser estimulados.

Um professor pode galvanizar talentos e vocações, mas também as pode destruir. Pode abrir mentalidades, mas tambem as pode distorcer. Pode fazer ver o sol, mas também poder encaminhar para o mais negro dos caminhos.

Os jovens de hoje não são iguais aos de há decadas. Eu não tinha telemóvel, portátil ou playstation. Apenas dois canais de televisão e uma biblioteca à disposição, que me deram mundo.

No outro lado da equação está um sistema de ensino que permanece imutável há 40 anos.

Vieram Magalhães, um nome épico para um recurso que não foi aproveitado por falta de qualificação dos docentes, e que só serviu para satisfazer interesses particulares de certos governantes e da empresa fornecedora, com o falso argumento de ser um dos passos para a modernização do sistema de ensino. Vieram quadros interactivos e projectores para dinamizar os métodos de aprendizagem, mas que morreram na sala de aula e só servem para dar mais trabalho às senhoras da limpeza.

Sobrecarregam-se alunos e professores com programas que não dão espaço nem tempo para o debate, para a troca de ideias e para o pensamento. Isto só leva à exaustão, inimiga da entrega, da criatividade e da genialidade. As baixas médicas são um flagelo que castiga e apaga quem poderia fazer a diferença.

Não há capacidade, sobretudo, para entender que juventude é esta, a juventude de hoje. Uma juventude que merece ser guiada e orientada com dedicação e sabedoria. Não há capacidade para a resgatar da trivialidade e da mediocridade. Tudo isto acompanhado do péssimo contributo de uma envolvente impregnada de reality shows, youtubers, tiktoks e instagram stories.

Sem falar na corrupção, que faz desperdiçar recursos preciosos para que se pudesse fazer muito mais, através de melhores políticas e directivas.

Li algures que ensinar é um exercício de imortalidade, e isto é verdade se for feito com dignidade, entrega e muito bem-querer, porque só assim haverá um legado válido e útil, e porque se desmultiplica nas gerações futuras. O contrário, constitui uma perda enorme. O meu filho tinha um professor que, quando não estava de baixa, ia para as aulas só para marcar presença e assitir a vídeos no seu próprio portátil, enquanto fazia com que os alunos lessem o manual. Isto é inadmissível!

Eu ainda acredito que haverá gente que quer marcar pela diferença, à procura de uma oportunidade!

Enfim... mais do mesmo neste pardieiro.


Miguel Mósca Nunes

13.10.22

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A escola de hoje (mais precisamente, o actual modelo de ensino) está obsoleta e serve para muito pouco.

Não respeita a individualidade das crianças e dos jovens, levando, injustamente, a concluir que quem tem maus resultados é menos capaz ou menos inteligente. Não estimula o pensamento crítico e não permite que se estude com tempo, promovendo a assimilação do conhecimento e permitindo, por exemplo, a consulta de várias fontes, sobretudo porque os programas curriculares são extensos e as matérias são despejadas diaria e intensamente, não permitindo a reflexão e o debate. O pensamento crítico é fundamental para que possa haver evolução, baseada na criatividade, e para que se possa sedimentar um futuro melhor.

Os próprios professores estão espartilhados na sua acção sem grande margem para dinamizar as aulas, não utilizando ferramentas alternativas, mais apelativas e eficazes. Com todos os recursos de que dispomos, é um absurdo, e sinal de uma enorme incompetência, manter este sistema de ensino caduco, cujas metodologias são iguais para toda a gente. Não se privilegiam as diferenças de aprendizagem, as diferentes formas de absorver a informação.

Não temos uma escola inclusiva, que olhe para a diferença e que aproveite o potencial de cada indivíduo, as suas características, as suas faculdades e capacidades, que são, naturalmente, diferentes das dos demais. Não olha para a especificidade, ao invés, generaliza, superficializa, julga e avalia de acordo com parâmetros globais - aquilo a que se chama "chapa 5".

Galopim de Carvalho escreveu, num post do facebook, que «os nossos professores têm de cumprir o, quanto a mim, muito mau programa oficial que, desgraçadamente, os obriga, não a ensinarem, mas a "amestrarem" os alunos a acertarem nos questionários do exame nacional, restando-lhes muito pouco tempo para lhes dar formação. Neste quadro nacional, os alunos irão "deitar para o lixo tudo o que lhes foi empurrado para dentro da cabeça"». Esta afirmação diz tudo!

Por outro lado, e porque continuamos num país elevadamente preconceituoso, o ensino profissional, que está em fase de expansão e que melhor responde às diferenças dos alunos, continua a ser marcado com o estigma de ser direccionado para quem tem fracos resultados no ensino regular, e é menos inteligente ou tem menos capacidades.

Enquanto existir esta visão antiquada e retrógrada do sistema, não evoluiremos para novas abordagens, muito mais estimulantes, evoluídas e INTELIGENTES.

 

 

 


Miguel Mósca Nunes

01.06.21

 

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29 de setembro. Sentado nos degraus exteriores, à entrada do edifício onde vive, bem perto dos Bombeiros Voluntários da Malveira, João espera que o seu vizinho suba as escadas até ao patamar de acesso aos elevadores.

 É um rapaz vivaço e aventureiro, de onze anos, alto para a sua idade e cheio de energia. Moreno e de olhos castanhos como avelãs, esguio e ágil. Tem um pequeno sinal na ponta do queixo, que lhe dá um ar engraçado. Adora andar pela vila de bicicleta, e costuma fazer recados à mãe dessa forma, porque chega mais depressa a todo o lado.

 Espera que o Sr. Camilo, um dos seus vizinhos, um homem robusto e afável, entre para o átrio e se enfie na cabine do elevador. Espreita com alguma dificuldade pelos vidros cheios de reflexos e confirma que o homem desaparece. Galga os degraus, entra no edifício, e começa a sua tarefa. Está num entusiasmo tão grande, que quase rebenta de alegria.

 Tira a tampa da embalagem de manteiga que trouxe de casa e, com a ajuda da faca de sobremesa da sua mãe, começa a besuntar a pega das portas dos elevadores, de maneira a que não se veja. Repete a proeza em todos os andares. E faz o mesmo nas maçanetas das portas de todos os apartamentos. Depois disto, vai a correr para a escola, porque não quer chegar atrasado à aula de Português.

 Ri o caminho todo, ao imaginar o resultado do que acabou de fazer.

 No intervalo grande, e depois de correr para trás do pavilhão D com Ricardo, o seu melhor amigo, João retirou da mochila um frasco com uma mistela que tinha preparado no dia anterior, na qual misturou mostarda, um tempero de alho que encontrou no frigorífico, pó de caril que retirou do cesto de especiarias que está há anos na despensa, e vinagre, para diluir. Aquela coisa ficou pastosa. E cheirosa! Parecia estar a viajar para a Índia.

 Ricardo, loiro e de olhos azuis como o mar, é, de facto, o melhor amigo de João. E é um rapaz especial, com uma sensibilidade fora do comum. Conhecem-se desde o infantário, e sempre tentou proteger João, compadecendo-se com o amigo, quando este se encontrava em apuros. São como irmãos.

 Os dois riram à gargalhada quando decidiram colocar aquela mixórdia na cadeira da professora Amélia.

 ― Temos de besuntar muito bem, para ela não notar. Isto tem a cor da madeira e tudo! ― disse João, aos saltinhos, desequilibrando-se e quase tropeçando no passeio. ― Vamos para a sala agora, antes que a stôra chegue!

 ― Bora lá! ― respondeu o companheiro de quase todas as partidas.

 Entraram na sala, trepando pela janela, dirigiram-se para a secretária ao pé do quadro de ardósia, e fizeram o trabalho, pondo uma camada generosa daquela mistela, com uma perícia pouco comum para duas crianças de onze anos. Ficou liso como se fosse o próprio assento. Saíram da sala, pela mesma janela, quando faltavam cinco minutos para o início da aula.

 Tocou a campainha, entraram os alunos, chegou a professora de ciências. Esguia, pálida e vestida com um saia-casaco de xadrez. Prestes a fazer quarenta e cinco anos, parecia ter mais dez.

 Pairava no ar um cheiro familiar. A mulher lembrou-se daquela vez em que almoçou com o marido num restaurante indiano, em Lisboa, e em que comeu, até fartar, todas aquelas magníficas iguarias.

 ― Bom dia a todos ― disse a professora, de pé, encostada à secretária. ― Hoje vamos falar sobre o sistema respiratório, e depois vamos fazer uma ficha sobre esta matéria.

 Durante quase todo o tempo de aula, a mulher andou de um lado para o outro, à medida que ia falando. João e Ricardo, na mesma carteira, estavam num frenesim, com um nervoso miudinho, sempre à espera de vê-la sentar-se no raio da cadeira.

― E se aquilo seca?! ― disse Ricardo, preocupado por estar a demorar tanto tempo. ― Olha lá o sol a dar bué naquela porcaria…

 ― Não seca nada! ― respondeu João, com a certeza de quem fez um belo trabalho.

 A quinze minutos do fim, a professora distribuiu as fichas.

― Agora, façam silêncio para que possam responder a todas as questões ― disse. ― Com calma, que ainda temos tempo.

 Dirigiu-se para a cadeira e, num movimento que os dois amigos acharam demorado, de tão ansiosos que estavam, a mulher sentou-se. Um minuto. Passou um minuto até que pudessem ver as faces brancas da desgraçada a encarniçar, o olhar a ficar brilhante, as mãos a tremerem.

 Permaneceu sentada, imóvel como uma estátua, até deixar todos os alunos saírem da sala.

― Coloquem aqui os vossos enunciados… digo-vos os resultados na próxima aula… ― balbuciou.

 E fez assim porque sabia que havia alguma coisa que não estava nada bem, mas não percebeu logo o que lhe tinha acontecido. Chegou a pensar que tinha sido um descuido seu e, por isso, esperou que todos saíssem para poder estar à vontade.

 Quando se levantou e colocou a mão na saia, e cheirou os dedos ossudos, os dois reguilas já espreitavam pela janela, do lado de fora, contendo o riso para não serem descobertos. Viram-na sair, esbaforida e de mãos bem abertas, por as ter sujas. Depois correram o mais depressa que conseguiram, rindo à gargalhada, até às traseiras do pavilhão onde haviam planeado a patifaria.

 Estavam sentados num banco de pedra, voltados para uma parede de cimento, mais contentes do que nunca, quando viram uma sombra com uma forma nunca antes vista por aqueles quatro olhinhos traquinas. Havia alguma coisa atrás deles, que fez com que ficassem quietos e sem pinga de sangue. Não se atreveram a virar-se, tal era o medo.

 Passados alguns segundos, a sombra subiu e desapareceu, com um ruído que aqueles quatro ouvidos nunca tinham ouvido. Olharam um para o outro, assustadíssimos. Não conseguiam falar. João tentava perceber o que tinha acabado de acontecer. Ricardo levou as mãos à cara. Aquela sombra…

 Lá se voltaram, os dois ao mesmo tempo e… nada. Brilhava o sol, naquele pátio onde estavam sentados, e estava frio. Demasiado frio para o final de setembro. Ao longe, os gritinhos e a galhofa das crianças no recreio. Passados cinco minutos, estavam na aula de História.

 Nesse dia à noite, e depois de uma tarde muito estranha em que os dois amigos estiveram todo o santo tempo muito sossegados e apáticos, coisa nada habitual, aquela experiência aterradora não saía da cabeça do João.

 Nem sequer se divertiu com os comentários dos seus pais sobre a aventura que tinha sido o regresso a casa e sobre a maçaneta da porta de entrada. A vizinha de cima tinha, entretanto, tocado à porta, para perguntar se lhes tinha acontecido o mesmo. Era manteiga por todo o lado. «Mas que grande chatice!», tinha dito a senhora, com um pano amarelo na mão.

 Depois de lavar os dentes e de se enfiar nos lençóis muito quentinhos devido à botija de água quente, lá conseguiu dormir. Há muito tempo que não pedia a companhia do pai para o adormecer. E sonhou.

 E no sonho viu a sombra. E no sonho lembrou-se de que a sombra tinha a forma de um chapéu, um chapéu enorme e bicudo. E no sonho lembrou-se do que viu quando a sombra subiu.

 Na sombra descortinavam-se uns cabelos compridos e ondulantes, umas vestes a esvoaçar, e…

 Uma vassoura!

In "Merinda", Miguel Mósca, Edições Vieira da Silva, 2019

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