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Lately

Histórias, opiniões, desabafos, receitas...

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Histórias, opiniões, desabafos, receitas...


Miguel Mósca Nunes

03.06.25

Richard Evans.jpg

Sir Richard John Evans é um historiador britânico, cuja investigação incide sobretudo na Alemanha e na Segunda Guerra Mundial. É autor de dezoito livros, onde se inclui a Trilogia do Terceiro Reich, considerada uma obra «brilhante» e «magistral». Evans foi professor de história na Universidade de Cambridge entre 2008 e 2014. É presidente do Cambridge College e Provost of Gresham College, em Londres. É membro da British Academy, da Royal Historical Society e da Royal Society of Literature. Participa regulamente em documentários e programas sobre o III Reich.

Esta trilogia é um documento histórico importantíssimo nos dias de hoje, a pouco mais de uma década de atingirmos os 100 anos sobre o início do conflicto, causado por um extremista louco, racista, antissemita, ultra-nacionalista e ultra-violento. Esta obra é composta por três volumes, constituindo uma imperdível trilogia. Faz todo o sentido revisitarmos a história

Importa referir que Richard J. Evans traz-nos uma história narrativa, que proporciona a versatilidade da consulta ou da leitura ininterrupta. De facto, não se consegue parar de ler.

 


Miguel Mósca Nunes

19.11.24

Camões,_por_Fernão_Gomes.jpg

Luís de Camões  
[Lisboa, 1524? - Lisboa, 1580] 

Esta biografia é transcrita do site da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), que remete para o Centro de Documentação de Autores Portugueses (Maio de 2004)... sim, porque neste blog não há plágio!

"Poeta épico e lírico, considerado o maior poeta de língua portuguesa de todos os tempos, a sua biografia é ain­da hoje dificílima de traçar, dada a escassez de elementos exactos que sobre ele possuímos. A primeira biografia do poeta só aparece trinta e três anos depois da sue morte, inserta por Pedro de Mariz na edição d' Os Lusíadas (Lisboa, Pedro Crasbeek, 1613), onde vem acompanhada dos comentá­rios de Manuel Correia, já então falecido, que diz ter sido amigo de Camões. É em domínio de incertezas que se aponta a cidade de Lisboa como o lugar mais provável do seu nascimento, em 1524 ou 1525, havendo seis outras localidades que lhe disputam a honra. Coimbra é uma delas. Supõe-se que aí tenha estudado, embora não haja qualquer registo comprovativo de que tenha frequentado a Universidade. Filho de Simão Vaz e de Ana de Sá, como aparece nos documentos oficiais, ou Ana de Sá de Macedo, como ela também usa­va, Luís de Camões teria ido para Coimbra, onde havia um D. Bento, prior do Mosteiro de Santa Cruz e cancelá­rio da Universidade, seu tio, que lhe poderia ter dirigido a educação.

Camões pertence a uma aristocracia empobrecida, que procura no serviço das armas um modo de vida. Crê-se que, na mocidade, tenha estado em Ceuta. Severim de Faria (Discursos Vários Políticos, Évora, 1624), servindo-se de ecos biográficos encontrados na poesia de Camões, infere que ele esteve em África. E Aubrey Bell indica como datas prováveis: 1547-1548 para a partida e 1549 para o regresso a Lisboa. Teria sido em África que um pelouro lhe vazou um dos olhos nalgum recontro com os Mouros. De certeza, sabe-se que a deformidade ocorreu antes da sua partida para a Índia, pois a ela se refere numa carta que de lá escreveu como sendo facto conhecido. Em Lisboa leva, ao que parece, uma vida de estúrdia, tendo sido preso no Tronco da cidade por haver assaltado, numa briga, com outros companheiros seus, um servidor do paço. É perdoado por D. João III em 1553, como o atesta um documento que sugere a sua ida para a Índia.

Do que fez no Oriente durante dezassete anos nada está documentado. Parece que participou (Novembro de 1553) numa expedição à costa do Malabar e esteve, por algum tempo, no cabo Félix, ou Guardafui, incorporado, ao que se crê, no cruzeiro ao estreito de Meca, entre Fevereiro e Outubro de 1555, feito pela armada de Manuel de Vasconcelos. É depois destas duas expedições que se situa o seu período na China (Macau). Em data que é impossível precisar, Camões naufragou nas costas do Camboja, ou ac­tual Vietname, salvando das águas o manuscrito d' Os Lu­síadas, como ele próprio declara (X, 128). Ao cabo de três anos de serviço militar, provavelmente em 1556, Camões foi licenciado, tendo depois aceitado, tanto quanto é pos­sível julgar, o desempenho de funções públicas. À roda de 1568, decerto em busca de melhor sorte, vem para Moçambique, onde Diogo do Couto o encontra, vivendo na maior indigência (Década IX, cap. 20, Lisboa, 1786). O poeta passava então o tempo a aperfeiçoar Os Lusíadas e trabalhava numa obra intitulada Parnaso de Luís de Ca­mões, que lhe furtaram. Couto e os amigos do poeta, de escala em Moçambique, quotizam-se, pagam-lhe as dívi­das e a viagem, e com ele seguem para o Reino, arribando ao porto de Cascais na Primavera de 1570 (Couto, Década VIII, cap. 28, Lisboa, 1786).

A 24 de Setembro de 1571, Camões obteve de D. Sebastião o alvará que lhe permite imprimir Os Lusíadas por um período de dez anos. Em 1572 sai a obra, em Lisboa, em casa do impressor António Gonçalves. E, em 28 de Ju­lho do mesmo ano, D. Sebastião concede ao poeta uma tença anual de 15000 réis, a pagamento desde 12 de Março, pelos serviços que este lhe havia prestado na Índia, e não apenas para o compensar pela publicação d' Os Lusía­das. Esta tença foi paga irregularmente, mas sempre na sua totalidade, dela beneficiando, por ordem de Filipe II de Espanha, a mãe do poeta, que lhe sobreviveu. É graças a esta documentação que sabemos que a morte de Camões ocorreu em Lisboa, a 10 de Junho de 1580.

Em vida, além d' Os Lusíadas, Camões publicou apenas três composições. A primeira é uma ode laudatória, escrita na Índia e dedicada a Garcia de Orta ("Aquele único exemplo"), que aparece nos Colóquios dos Simples e Dro­gas (Goa, 1563). As outras duas peças – a elegia «Depois que Magalhães teve tecida» e o soneto «Vós ninfas da gan­gética espessura» – saíram na História da Província de Santa Cruz (Lisboa, 1576), de Pêro de Magalhães de Gân­davo.

O Parnaso de Luís de Ca­mões, em que ele trabalhava, foi-lhe roubado e as edições que dele conhecemos são todas edições póstumas. As Ri­mas (Lisboa, 1595) são a primeira edição da lírica, feita a partir de cancioneiros manuscritos, que, não obstante o cuidado de Fernão Rodrigues Lobo Soropita, seu organiza­dor anónimo, contém imperfeições graves e se encontra incompleta.

Das edições póstumas, o teatro de Camões foi a primei­ra obra a aparecer, incluído no volume Primeira Parte dos Autos e Comédias Portuguesas (Lisboa, 1587), onde a maior parte cabe a António Prestes. Os dois autos-comédias, Anfitriões e Filodemo, figuram na colec­tânea como da autoria do poeta, nada se sabendo, porém, do texto que lhes serviu de base. Que a censura inquisito­rial exerceu cuidadosa vigilância não há hoje dúvida, por­que no Cancioneiro de Luís Franco Correia, 1557-1589, em manuscrito, se encontra uma versão do Auto de Filo­demo (fol. 269r-286v), que é muito mais ousada na crítica institucional e dos costumes do que a do texto publicado. De acordo com a informação exarada no Cancioneiro, po­de inferir-se que o auto foi levado à cena em Goa, por al­tura dos festejos que, em 1555, assinalaram a investidura de Francisco Barreto no cargo de governador, cujas funções desempenhou sem interrupção até 1558.

A epopeia camoniana, baseada literalmente na viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-1498), é um poema de grande complexidade estética, onde a crítica moderna tem visto não apenas a história do povo lusíada e da aventura humana, empenhada na devassa da natureza, mas a jorna­da arquetípica de uma alma, que se descobre individual­mente e busca na memória colectiva a efectividade de valores, posta à prova pela exigência dos tempos. Os Lu­síadas passam a ser encarados como uma obra plurissigni­ficante. E a voz do poeta, que na epopeia se faz ouvir, ga­nha novas dimensões na lírica, onde a torturante exploração da subjectividade, do amor e do conhecimento atinge a maior altura, fazendo de Camões indiscutivelmente um autor de estatura universal."
 


Miguel Mósca Nunes

06.06.24

"Hitler viveu sempre num mundo de sonhos. Há muito pouco realismo político em Mein Kampf. Ele estava à margem da política, quase se pode dizer na margem lunática da política. O extremismo, o tipo de linguagem que usou, não é a linguagem de uma democracia parlamentar, e acho que isso deveria ter dado às pessoas uma pista sobre o quão indomável ele seria se chegasse ao poder, e como o usaria."
Em Hitler e os Nazis, serie documental em exibição na Netflix.

Isto deveria ser um abre-olhos, porque o que aqui se lê parece descrever o que se passa hoje em vários parlamentos europeus, onde lunáticos, com o apoio das suas turbas, debitam atrocidades a que não se tem dado importância, numa espécie de cegueira paternalista que vai tolerando o avanço insidioso de uma ideologia que alimenta as intenções dos insatisfeitos, dos que lutam todos os dias contra uma realidade a que os centralismos democráticos podres, incompetentes e corruptos, quer queiramos ou não admitir, os levaram.
Mas não é o extremismo que nos salvará.

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Miguel Mósca Nunes

24.02.22

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Estamos perante um dia negro na História recente da Humanidade, que de humanidade nada tem. Somos a pior espécie que habita este planeta!

Nunca deveriamos ter reunido condições para evoluir até sermos Sapiens Sapiens. Talvez, se tivessemos ficado pelo Homo Sapiens Idalto, não possuíssemos a natureza que nos caracteriza. Somos asquerosos, mesquinhos, vis. Somos arrogantemente idiotas quando temos poder. Somos parceiros no mal. Carcereiros de nós próprios.

O Holocausto terminou com a libertação dos campos de concentração há 77 anos e não aprendemos nada. Faço-vos aqui uma confissão: nunca acreditei, verdadeiramente, que alguma vez conseguissemos evoluir e distanciarmo-nos do que nos levou àquele horror, sobretudo porque não somos empáticos, solidários, irmãos!

Assisto a isto todos os dias, nas pessoas que se atravessam no meu caminho. Consigo sentir a mediocridade, a insolência, a presunção, a ostentação, a avareza, o ridículo abuso do poderzinho. Sobretudo, a falta de inteligência.

E é tudo isto que está no espírito deste idiota que começa agora uma guerra.

Lamentável mas real, infelizmente.

 

 


Miguel Mósca Nunes

16.09.21

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7 de outubro. Na sala dos professores, no primeiro piso do pavilhão principal, Amélia esbracejava e deslocava-se de um lado para o outro, fazendo lembrar uma avestruz.

 ― Como é que é possível?! ― atirou, enervadíssima. ― Ainda não descobriram quem me fez aquele… aquele disparate!

Estava transfigurada, como se de um dragão mitológico se tratasse, quase a deitar fogo pelas ventas.

 ― Calma, Amélia, que havemos de saber ― respondeu António, pouco convencido.

Era professor de matemática e tinha por hábito iniciar as suas aulas com alguns exercícios de ioga. Os alunos adoravam-no. De facto, não estava muito empenhado em encontrar os responsáveis pelo estrago feito na vestimenta da colega, sobretudo porque tinha mais que fazer.

 ― Calma?! CALMA?! ― A professora, irada, esbugalhou os olhos. ― Estragaram-me a saia! Um conjunto que me custou uma fortuna!

 ― O que interessa agora é assegurar que estes... fenómenos não se repitam ― disse António, fazendo um trejeito de sobrancelhas para outros dois docentes que estavam a assistir à conversa.

 ― O meu tailleur ficou arruinado! ― afirmou Amélia. ― Quem é que me resolve o problema? Quem? Como Diretor de Turma, tens de fazer alguma coisa!

 ― Amélia, o que é que queres que se faça se ainda não se descobriu o responsável pelo sucedido?

 ― Não sei, nem me interessa! O que eu quero é que me resolvam o problema!

 A investigação estava difícil, porque a vaga de partidas tinha, entretanto, parado. Já não seria fácil apanhar alguém em flagrante. E, por outro lado, era complicado obter testemunhos de alguma coisa, porque a qualquer pergunta sobre o assunto, os alunos respondiam sempre com um angelical «não sei». Mesmo que soubessem, era improvável que denunciassem alguém.

 E a vida escolar seguia o seu curso, agora com maior sossego. O professor António já tinha refletido sobre a repentina quietude. Passavam, ainda, poucos dias dos acontecimentos, mas achava estranho ter deixado de encontrar graxa nas pegas das portas das salas de aula e pastilhas elásticas nas torneiras das casas-de-banho.

 Para ele não fazia sentido perder muito tempo a encontrar culpados, porque os adolescentes são assim mesmo, gostam de fazer tropelias. E quando lhe contaram a história da «mistela que cheirava a Marrocos», fechou-se na casa-de-banho a rir às gargalhadas. Claro que ninguém soube disto.

 Entretanto, tinha ficado sozinho, porque os outros dois professores tinham saído para dar aulas e a professora Amélia tinha também deixado a sala de professores para regressar a casa, pois terminara o seu dia de trabalho. Pela janela, António conseguia ver o estacionamento à frente do portão da escola, e assistia agora à fúria da desequilibrada criatura, com dificuldade em encontrar a chave do carro que procurava na mala que tinha a tiracolo. Às tantas, começou a dar murros na porta do Renault. Depois, encostou-se ao veículo, numa pausa que demorou uns segundos. Olhou para a chave que já estava na mão, voltou-se, inseriu-a na fechadura, com movimentos bruscos que dificultaram bastante a tarefa de a abrir, deu mais alguns murros na porta, mas lá conseguiu entrar e sentar-se ao volante. «Credo, que a mulher está mesmo descontrolada», pensou.

 O professor sorriu ao ver o carro fazer marcha atrás, aos soluços, até seguir para o Largo da Igreja, a uma velocidade um pouco excessiva para o trânsito local.

 

In "Merinda", Miguel Mósca, Edições Vieira da Silva, 2019


Miguel Mósca Nunes

28.05.21

Capítulo I

 

 

   Guardamos as melhores recordações, mas valorizamos muito mais as más. Não sabemos bem porquê, mas as experiências negativas afectam-nos de uma maneira mais forte, deixando marcas profundas que se podem manifestar de forma incessante enquanto nos lembrarmos delas. Tudo o que é mau possui uma força maior, uma tonalidade negra que custa limpar, e que a brancura linear do tempo não apaga. Vamos ficando mais velhos e só quando é tarde demais é que tomamos consciência de que teria sido simples ter assumido outra postura perante os problemas. Quando a tempestade já passou.

   Surgem também dúvidas sobre o caminho percorrido. Poderia ter sido outro mas, quando surge a insatisfação, as decisões adequadas para que fosse diferente já não podem ser tomadas. Tudo tem o seu tempo, todos os instantes das nossas vidas são de decisão, embora na maioria das vezes estejamos a agir sem pensar na verdadeira importância das escolhas que fazemos.

  A Madalena é a minha melhor amiga. Sonhadora, intuitiva e perspicaz. Vale-se muito daquilo que é chamado o sexto sentido. Talvez seja característica que herdou da mãe, talvez seja produto do facto de ter sido uma criança calada, atenta e observadora, ficando a conhecer em profundidade os comportamentos e as reacções humanas, sem ter consciência disso, tornando as pessoas demasiado previsíveis aos seus olhos, ou então, quem sabe, possui capacidades sensoriais incomuns, típicas de um número cada vez maior de almas, facultadas, talvez, por alguns espíritos que a alfinetam amiúde. Poderá ser a conjugação de tudo isto.

   Sente, com muita frequência, uma profusão de sentimentos a invadi-la quando está perto de certas pessoas; adivinha-lhes os pensamentos, sabe quais os juízos que formulam, as suas opiniões.

   Nem sempre esta aptidão funciona. Se é certo que há pessoas que a bombardeiam, outras há que são uma fortaleza, não se conseguindo receber delas quaisquer indícios da sua essência. Por outro lado, trata-se de um fenómeno espontâneo, que nem sempre funciona.

   Nos últimos tempos este fardo tem crescido, está mais intenso e torna-se muito incómodo quando é massacrada por frustrações e invejas, considerações mesquinhas ou demonstrações de malvadez, pois fica abaladíssima. Este dom está a tornar-se muito pesado.

   Tem reflectido muito sobre o seu passado, sobre a natureza das pessoas que se têm cruzado no seu caminho, e sobre qual será o seu futuro. Paira no seu pensamento a concepção de que, por vezes, é melhor ser-se menos atento aos pormenores, menos perscrutador e menos sensível. Se não nos apercebermos do verdadeiro âmago dos que convivem connosco, embora vivamos iludidos, somos mais felizes.

   Também se tem interrogado sobre se vale a pena dizer o que pensa, porque a maioria das pessoas não aceita esta maneira de ser. Já perdeu alguns amigos.

   Chega, contudo, sempre à mesma conclusão: vale a pena privilegiar a verdade, pese embora o facto de haver sempre alguns dissabores.

   Está mais conciliada com a idade e com as primeiras rugas e não se preocupa tanto com a perda da brancura dos seus dentes. De qualquer maneira, não dispensa os três cafés diários.

   O que lhe faz ainda muita confusão é a gordura que acumula na barriga, merda, tão difícil de perder. Gosta tanto de chamuças, e de empadas, e de rissóis, e de croquetes, em particular os que são servidos como entrada nos casamentos. Esses parecem não ter o efeito calamitoso que costumamos ver nos que estão à venda nas pastelarias, pelo menos na altura não nos lembramos... será por não pagarmos nada por eles?

   Apesar de tudo, mantém alguma forma física devido à dança que pratica duas vezes por semana e, com um metro e setenta de altura, é bastante atraente. Tem a particularidade de possuir uns olhos castanho-esverdeados, que se conjugam muito bem com o seu cabelo castanho com reflexos dourados.

   Sempre batalhou por conseguir uma situação profissional estável e que lhe trouxesse uma boa remuneração. Licenciou-se em Direito, em Lisboa, mas cedo percebeu que as leis não a satisfaziam. Ficou muito desiludida com a justiça que se faz nos tribunais e, mais importante do que isso, chegou à conclusão de que a sua vocação não era aquela que tentou alimentar durante anos com a ajuda bem-intencionada dos seus pais.

   Chegou a exercer advocacia, primeiro enquanto estagiária, com um patrono que não lhe deu a mínima hipótese de fazer carreira com ele e, depois, já com a sua cédula profissional, num escritório de um advogado com muita experiência mas poucos escrúpulos, no qual foi explorada.

   Mal paga e sendo utilizada para quase todo o serviço, desistiu ao fim de alguns meses preenchidos de falsas esperanças. “Vou passar alguns clientes para a doutora...” ou “temos de lhe fixar um salário, eu vou falar com o meu colega...”, sempre a mesma conversa morna e sem vontade acerca do que nunca acontece.

   Por que razão houve a tendência de contrariar o verdadeiro sentido da sua vida ela ainda não percebeu. Apenas sabe que há um chamamento cada vez mais forte por parte da arte, da pintura, da escultura, do canto, da culinária... tudo o que sempre adorou fazer, desde que tem consciência de si própria. Não sabe porque razão contrariou esses talentos e porque é que meteu na cabeça que viria a ser advogada. Não sabe porque é que terminou o curso, quando no segundo ano já sentia que não era aquele o seu futuro. Que futuro seria o seu? Não sabia.

   Está a trabalhar como empregada de escritório numa empresa de recursos humanos tendo, todos os dias úteis da semana, o mesmo ritmo que a está a sufocar.

   E a sua vida amorosa… ai a sua vida amorosa…

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