Miguel Mósca Nunes
07.10.22
"A Laura era uma pessoa única no teatro português. Foi de facto a grande estrela com quem eu trabalhei, que eu conheci, profundamente amada pelo público, que amava e respeitava profundamente o público." Quem fez esta afirmação foi o actor Carlos Paulo, num programa sobre esta enorme actriz, na RTP. Nota-se uma ternura nestas suas palavras, uma saudade, uma admiração com a carga de ser póstuma, a fazer-se acompanhar por um profundo pesar e pelo desejo de que ainda estivesse viva, em cima do palco, para o qual viveu, e por causa dele morreu.
Nesta mesma entrevista, Carlos Paulo refere que um grande mestre do teatro, Peter Brook, dizia que a Laura tornava sublime o que é banal.
Lembro-me de tantos outros maravilhosos actores, como Rui de Carvalho, Nicolau Breyner, Ivone Silva, Amélia Rei Colaço, que deram a vida pelo teatro e deixaram tudo no palco, com os poucos recursos de que dispunham. Continuamos a ver este esforço hercúleo quando temos o privilégio de assistir ao magnífico trabalho de Custódia Gallego, Maria José Paschoal e João Lagarto na peça de Lucy Kirkwood, Os Filhos, no Teatro Aberto, e de Cidália Moreira, Miguel Dias, Paulo Vasco e Sofia de Portugal, tão bem acompanhados por Cátia Garcia, Teresa Zenaida, André David Reis, Bea Moreira e Marcos Marques, na revista encenada por flávio Gil, Parabéns Parque Mayer!, no Teatro Maria Vitória. Não me ficando pelos exemplos dados, e para não ser injusto, tenho de referir todos os actores, bailarinos, técnicos, encenadores e escritores deste país.
E isto faz libertar um sentimento comum, de revolta e insatisfação, pelo facto de estarmos num país que despreza (convenientemente) a arte e os seus artistas, que valoriza e faz prosperar os corruptos, através da mediocridade, porque é na mediocridade que germina e se desenvolve a falta de discernimento para escolher quem nos governa. E anda tudo à volta disto, mas é o que sinto, e é o que vejo todos os dias. Um propositado desvio de recursos, um completo desperdício, cultivado pelas elites.
A crise é suportada pelos contribuintes. As injecções de capital para satisfazer banqueiros incompetentes e usurários, as frotas de automóveis das empresas públicas, os privilégios dos deputados, membros da Assembleia da República e do Governo, os riscos das parcerias público-privadas, a gestão danosa dos serviços do Estado, tudo pago pelos contribuintes.
A cultura, essa, convém manter sob um orçamento magro, para que não possa espevitar o espírito crítico, precisamente. Ler, ir ao teatro, conhecer a História, são coisas para a elite - a quem não interessa nada tornar sublime o que é banal. Aquela que perpetua este estado de amnésia colectiva e a ignorância dos votantes.
É isto...