Miguel Mósca Nunes
19.11.24
Luís de Camões
[Lisboa, 1524? - Lisboa, 1580]
Esta biografia é transcrita do site da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), que remete para o Centro de Documentação de Autores Portugueses (Maio de 2004)... sim, porque neste blog não há plágio!
Camões pertence a uma aristocracia empobrecida, que procura no serviço das armas um modo de vida. Crê-se que, na mocidade, tenha estado em Ceuta. Severim de Faria (Discursos Vários Políticos, Évora, 1624), servindo-se de ecos biográficos encontrados na poesia de Camões, infere que ele esteve em África. E Aubrey Bell indica como datas prováveis: 1547-1548 para a partida e 1549 para o regresso a Lisboa. Teria sido em África que um pelouro lhe vazou um dos olhos nalgum recontro com os Mouros. De certeza, sabe-se que a deformidade ocorreu antes da sua partida para a Índia, pois a ela se refere numa carta que de lá escreveu como sendo facto conhecido. Em Lisboa leva, ao que parece, uma vida de estúrdia, tendo sido preso no Tronco da cidade por haver assaltado, numa briga, com outros companheiros seus, um servidor do paço. É perdoado por D. João III em 1553, como o atesta um documento que sugere a sua ida para a Índia.
Do que fez no Oriente durante dezassete anos nada está documentado. Parece que participou (Novembro de 1553) numa expedição à costa do Malabar e esteve, por algum tempo, no cabo Félix, ou Guardafui, incorporado, ao que se crê, no cruzeiro ao estreito de Meca, entre Fevereiro e Outubro de 1555, feito pela armada de Manuel de Vasconcelos. É depois destas duas expedições que se situa o seu período na China (Macau). Em data que é impossível precisar, Camões naufragou nas costas do Camboja, ou actual Vietname, salvando das águas o manuscrito d' Os Lusíadas, como ele próprio declara (X, 128). Ao cabo de três anos de serviço militar, provavelmente em 1556, Camões foi licenciado, tendo depois aceitado, tanto quanto é possível julgar, o desempenho de funções públicas. À roda de 1568, decerto em busca de melhor sorte, vem para Moçambique, onde Diogo do Couto o encontra, vivendo na maior indigência (Década IX, cap. 20, Lisboa, 1786). O poeta passava então o tempo a aperfeiçoar Os Lusíadas e trabalhava numa obra intitulada Parnaso de Luís de Camões, que lhe furtaram. Couto e os amigos do poeta, de escala em Moçambique, quotizam-se, pagam-lhe as dívidas e a viagem, e com ele seguem para o Reino, arribando ao porto de Cascais na Primavera de 1570 (Couto, Década VIII, cap. 28, Lisboa, 1786).
A 24 de Setembro de 1571, Camões obteve de D. Sebastião o alvará que lhe permite imprimir Os Lusíadas por um período de dez anos. Em 1572 sai a obra, em Lisboa, em casa do impressor António Gonçalves. E, em 28 de Julho do mesmo ano, D. Sebastião concede ao poeta uma tença anual de 15000 réis, a pagamento desde 12 de Março, pelos serviços que este lhe havia prestado na Índia, e não apenas para o compensar pela publicação d' Os Lusíadas. Esta tença foi paga irregularmente, mas sempre na sua totalidade, dela beneficiando, por ordem de Filipe II de Espanha, a mãe do poeta, que lhe sobreviveu. É graças a esta documentação que sabemos que a morte de Camões ocorreu em Lisboa, a 10 de Junho de 1580.
Em vida, além d' Os Lusíadas, Camões publicou apenas três composições. A primeira é uma ode laudatória, escrita na Índia e dedicada a Garcia de Orta ("Aquele único exemplo"), que aparece nos Colóquios dos Simples e Drogas (Goa, 1563). As outras duas peças – a elegia «Depois que Magalhães teve tecida» e o soneto «Vós ninfas da gangética espessura» – saíram na História da Província de Santa Cruz (Lisboa, 1576), de Pêro de Magalhães de Gândavo.
O Parnaso de Luís de Camões, em que ele trabalhava, foi-lhe roubado e as edições que dele conhecemos são todas edições póstumas. As Rimas (Lisboa, 1595) são a primeira edição da lírica, feita a partir de cancioneiros manuscritos, que, não obstante o cuidado de Fernão Rodrigues Lobo Soropita, seu organizador anónimo, contém imperfeições graves e se encontra incompleta.
Das edições póstumas, o teatro de Camões foi a primeira obra a aparecer, incluído no volume Primeira Parte dos Autos e Comédias Portuguesas (Lisboa, 1587), onde a maior parte cabe a António Prestes. Os dois autos-comédias, Anfitriões e Filodemo, figuram na colectânea como da autoria do poeta, nada se sabendo, porém, do texto que lhes serviu de base. Que a censura inquisitorial exerceu cuidadosa vigilância não há hoje dúvida, porque no Cancioneiro de Luís Franco Correia, 1557-1589, em manuscrito, se encontra uma versão do Auto de Filodemo (fol. 269r-286v), que é muito mais ousada na crítica institucional e dos costumes do que a do texto publicado. De acordo com a informação exarada no Cancioneiro, pode inferir-se que o auto foi levado à cena em Goa, por altura dos festejos que, em 1555, assinalaram a investidura de Francisco Barreto no cargo de governador, cujas funções desempenhou sem interrupção até 1558.
A epopeia camoniana, baseada literalmente na viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-1498), é um poema de grande complexidade estética, onde a crítica moderna tem visto não apenas a história do povo lusíada e da aventura humana, empenhada na devassa da natureza, mas a jornada arquetípica de uma alma, que se descobre individualmente e busca na memória colectiva a efectividade de valores, posta à prova pela exigência dos tempos. Os Lusíadas passam a ser encarados como uma obra plurissignificante. E a voz do poeta, que na epopeia se faz ouvir, ganha novas dimensões na lírica, onde a torturante exploração da subjectividade, do amor e do conhecimento atinge a maior altura, fazendo de Camões indiscutivelmente um autor de estatura universal."