Miguel Mósca Nunes
16.09.21
7 de outubro. Na sala dos professores, no primeiro piso do pavilhão principal, Amélia esbracejava e deslocava-se de um lado para o outro, fazendo lembrar uma avestruz.
― Como é que é possível?! ― atirou, enervadíssima. ― Ainda não descobriram quem me fez aquele… aquele disparate!
Estava transfigurada, como se de um dragão mitológico se tratasse, quase a deitar fogo pelas ventas.
― Calma, Amélia, que havemos de saber ― respondeu António, pouco convencido.
Era professor de matemática e tinha por hábito iniciar as suas aulas com alguns exercícios de ioga. Os alunos adoravam-no. De facto, não estava muito empenhado em encontrar os responsáveis pelo estrago feito na vestimenta da colega, sobretudo porque tinha mais que fazer.
― Calma?! CALMA?! ― A professora, irada, esbugalhou os olhos. ― Estragaram-me a saia! Um conjunto que me custou uma fortuna!
― O que interessa agora é assegurar que estes... fenómenos não se repitam ― disse António, fazendo um trejeito de sobrancelhas para outros dois docentes que estavam a assistir à conversa.
― O meu tailleur ficou arruinado! ― afirmou Amélia. ― Quem é que me resolve o problema? Quem? Como Diretor de Turma, tens de fazer alguma coisa!
― Amélia, o que é que queres que se faça se ainda não se descobriu o responsável pelo sucedido?
― Não sei, nem me interessa! O que eu quero é que me resolvam o problema!
A investigação estava difícil, porque a vaga de partidas tinha, entretanto, parado. Já não seria fácil apanhar alguém em flagrante. E, por outro lado, era complicado obter testemunhos de alguma coisa, porque a qualquer pergunta sobre o assunto, os alunos respondiam sempre com um angelical «não sei». Mesmo que soubessem, era improvável que denunciassem alguém.
E a vida escolar seguia o seu curso, agora com maior sossego. O professor António já tinha refletido sobre a repentina quietude. Passavam, ainda, poucos dias dos acontecimentos, mas achava estranho ter deixado de encontrar graxa nas pegas das portas das salas de aula e pastilhas elásticas nas torneiras das casas-de-banho.
Para ele não fazia sentido perder muito tempo a encontrar culpados, porque os adolescentes são assim mesmo, gostam de fazer tropelias. E quando lhe contaram a história da «mistela que cheirava a Marrocos», fechou-se na casa-de-banho a rir às gargalhadas. Claro que ninguém soube disto.
Entretanto, tinha ficado sozinho, porque os outros dois professores tinham saído para dar aulas e a professora Amélia tinha também deixado a sala de professores para regressar a casa, pois terminara o seu dia de trabalho. Pela janela, António conseguia ver o estacionamento à frente do portão da escola, e assistia agora à fúria da desequilibrada criatura, com dificuldade em encontrar a chave do carro que procurava na mala que tinha a tiracolo. Às tantas, começou a dar murros na porta do Renault. Depois, encostou-se ao veículo, numa pausa que demorou uns segundos. Olhou para a chave que já estava na mão, voltou-se, inseriu-a na fechadura, com movimentos bruscos que dificultaram bastante a tarefa de a abrir, deu mais alguns murros na porta, mas lá conseguiu entrar e sentar-se ao volante. «Credo, que a mulher está mesmo descontrolada», pensou.
O professor sorriu ao ver o carro fazer marcha atrás, aos soluços, até seguir para o Largo da Igreja, a uma velocidade um pouco excessiva para o trânsito local.
In "Merinda", Miguel Mósca, Edições Vieira da Silva, 2019