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Lately

Histórias, opiniões, desabafos, receitas...

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Histórias, opiniões, desabafos, receitas...


Miguel Mósca Nunes

19.01.23

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O que é que uma mulher linda, arruivada e voluptuosa faz, sentada numa mesa redonda, no alpendre da minha casa, onde habitualmente bebo café e como as minhas torradas, quando não chove, mesmo que estejam temperaturas negativas?

Assim que estacionei, levantou-se e começou a caminhar na minha direcção. Quando acabei de sair do carro e fechei a porta, deixei cair as chaves no chão. Não sei porquê mas estava enervado, inquieto. Apanhei-as e quando me ergui, ela já estava à minha frente. "Sei que tem a casa à venda. Gostaria de a ver por dentro e falar um pouco das características, e sobre valores", disse.

"Muito bem", respondi, atrapalhado e sem conseguir disfarçar o encantamento, sobretudo porque o perfume que cheirei era maravilhoso. Estava a reparar nos olhos verdes e expressivos, quando ela disparou: "Espero que não estejamos a falar de um preço que eu não possa comportar. Seria lamentável que eu não ficasse com esta casa. Pelo exterior, já a posso considerar minha."

Não sabia muito bem o que responder, mas não precisei de me adiantar, porque ela prosseguiu: "O jardim da frente é lindo e as traseiras deixaram-me sem palavras. Adoro o caramanchão e o apoio lá atrás, com o forno a lenha e o grelhador. Veja lá, porque não me quero decepcionar." O portão da frente estava aberto e ela entrara à descarada, sem se preocupar com a invasão de propriedade privada.

Fomos ver a casa, numa visita guiada que foi tudo menos normal. Não parava de reparar naqueles olhos verdes, expressivos, e na ondulação daquele cabelo arruivado. E na volúpia daquele corpo.

Às tantas, disse-lhe que o processo de venda teria de ser tratado com a imobiliária, e não directamente comigo. Ela assentiu e eu dei-lhe o contacto do agente. Fiquei de boca aberta quando me voltou as costas, fazendo voar aquele cabelo fabuloso que quase me tocou na face, para concretizar a chamada. "Boa tarde, estou aqui ao pé de um imóvel que gostaria de adquirir. Já tive a oportunidade de o visitar, guiada pelo dono, e quero mesmo fechar negócio!".

Eu continuava incrédulo, a não saber muito bem como reagir, e ela prosseguia: "Não pode é ser por esse preço que me disse! Veja se convence este senhor a baixar um bocadinho o valor." Voltou-se para mim: "Sou carangueijo! Faço tudo pela família e pelo lar." Despediu-se do homem siderado no outro lado da linha, e fez o mesmo comigo, adiantando que daria notícias muito em breve.

Passadas três semanas já sabia que tinha encontrado a mulher da minha vida, porque estávamos a jantar pela segunda vez desde que tínhamos trocado olhares pela primeira.

Nos seis meses que se seguiram, não parámos de conversar, de querer estar sempre juntos, e a venda da casa foi cancelada. Casámos, tivemos filhos e, passados vinte e cinco anos, estou a lembrar-me de como isto tudo começou, sentado na mesa redonda, no alpendre da nossa casa, a olhar para o arvoredo alaranjado dos montes em frente. A beber café e a comer torradas, com a mão dela na minha.

A mão do que de melhor me aconteceu na vida.

 

 

 


Miguel Mósca Nunes

19.10.22

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Este livro é escrito por quem, cada vez que vai a Almeirim, dorme no quarto que foi desta figura impar no panorama cultural português: D. Leonor de Almeida, 4.ª Marquesa de Alorna e 8.ª Condessa de Assumar.

O livro inicia a sua narrativa no dia 1 de Novembro de 1755, dia de Todos os Santos, o fatídico dia que mudou Lisboa para sempre, e retrata a vida desta mulher da alta nobreza portuguesa, que passou dezoito anos atrás das grades do convento de São Félix em Chelas por ser neta de Francisco de Assis de Távora, vítima da conspiração conhecida como o "Processo dos Távoras".

Mas nem esta vicissitude serviu para deter uma mentalidade extraordinária, um talento e sabedoria ímpares, características únicas na altura, sobretudo porque se trata de uma mulher, exaltando a força e a importância do feminino, do conhecimento e da cultura, como forma de se posicionar no mundo, tomar decisões e agir, em consciência.

Dobrou o infortúnio do cárcere através da leitura e da escrita. Voou, através do estudo, preparando-se para a etapa seguinte da sua vida - a liberdade.

Ter sido mãe de oito filhos, católica, poetisa, política, viajada, inteligente e sedutora, são ingredientes mais do que suficientes para a leitura deste livro apaixonante.


Miguel Mósca Nunes

23.07.21

O feminismo tem sido, nos últimos anos, muito criticado, sobretudo com o argumento de que o papel da mulher nos dias de hoje é muito diferente do que há uns anos. Dizem que a mulher é mais forte, tem palavra e tem os mesmos direitos que o homem. Portanto, qualquer movimento feminista não tem razão de ser e é extremista e radical.

Pura mentira!

Estamos muito longe da igualdade de género. A mulher continua a ser objectivada, marginalizada e menosprezada.

Uma mulher de sucesso é um alvo a abater e todos os motivos ilógicos servem para o combate. Motivos que nunca seriam utilizados contra o homem.

Feminsimo sempre, enquanto a desigualdade existir!


Miguel Mósca Nunes

17.06.21

Capítulo III

 

 

   Num Domingo de Outubro encontrámo-nos na Avenida de Roma. Andámos por ali, sem rumo definido, só com o objectivo de desabafar uma com a outra.

   Falámos sobre o que nos ia na alma, ao mesmo tempo que fizemos comentários sobre os homens que passavam e sobre as montras de roupa. É curioso que, quando as mulheres que eu conheço falam dos homens, não o fazem da mesma forma que os homens quando estes falam das mulheres. O sentimento não é o mesmo. Ou se é o mesmo, não o escondem dos amantes. Acredito que seja assim para a maior parte de nós.

   Entre as duas, as apreciações não penetram no campo da nojeira dos comentários que os homens tecem. A maioria deles, mais ou menos discretos, são ordinários.

   Meu Deus, como são estúpidos. Basta passar por um grupo de homens que vão almoçar no intervalo do trabalho e escutar o que dizem para verificar que, mais uma vez, falam de mulheres. Muitas vezes atiram-nos ignomínias. E esta é uma faceta estanque, que não transparece na vida do santíssimo lar, para a respectiva mulher.

   Claro que este lado tão promíscuo e imundo não poderia ser transposto para as conversas ao serão e ao fim-de-semana, com a mulher e os filhos. Tem de ficar bem escondido, de segunda a sexta-feira, das nove às dezoito.

   Parece que esta gente anda a viver duas realidades distintas sendo que, no trabalho, com os colegas, ou no tempo livre, com os amigos, são pessoas expansivas, libertas e arejadas, tão arejadas ao ponto de a família ser arrastada para fora da memória pela ventania anestésica do vastíssimo campo visual.

   E, em casa, no conforto dos chinelos e do roupão, são recatados e uns fieis mentirosos. Haverá excepções?

   Parece que as mulheres estão a adquirir algumas características masculinas, das mais ridículas, mas tenhamos a esperança que seja uma percentagem muito reduzida. Não vamos, de oprimidas, passar para a estroinice e para a intrujice, sob a capa da emancipação.

   Esse seria um destino bastante redutor, o de passar de uma existência inteligente, cheia de sensibilidade, argúcia e paixão, para um lamaçal de mentira. Podemos experimentar vários homens ou mulheres, sem caminhar na falsidade.

   Bem sei que fomos escravizadas pelos homens e pelos seus malvados bons costumes, que só serviam para nós, mas a emancipação não significa perda de faculdades mentais!

   — Os homens são todos iguais — disse Madalena, com a habitual certeza que acompanha esta afirmação.

   —  Pois... sei lá, será que há excepções? Sabes, é muito fácil meter tudo em gavetinhas e catalogar as pessoas sempre da mesma maneira.

   — Ó Mafalda, tu não vês o Vitor! Está cada vez mais próximo do típico modelo masculino. — A sua expressão já estava a assumir a raiva que lhe mastigava as entranhas.

   — Tudo bem, pode ser que sim, mas ainda não falaste a sério com ele, não lhe disseste que estás insegura. Não lhe perguntaste o que é que ele anda a fazer.

   — Tenho medo.

   Fervilhava no meu espírito a inquietação de Madalena. Eu sentia que o Vitor fazia parte do mesmo rol de homens e que não seria a excepção.

   Depois de chegarmos à conclusão de que estávamos fartas do assunto, resolvemos divertir-nos e começar a fazer planos para o próximo fim-de-semana. Decidimos fazer uma viagem juntas para Portalegre, onde já tínhamos ido há bastante tempo. Seria bom passar pelos locais que tanto recordámos e comer aquelas migas deliciosas.

   Madalena tomou a decisão de não deixar passar mais tempo. Teria uma conversa séria com Vítor.

   Na segunda-feira seguinte, depois do trabalho, perto das sete horas da noite, foi ter a casa do namorado. Mal abriu a porta este fez logo uma expressão aparvalhada, esboçando um sorriso como que a pedir desculpa. Ele já tinha tentado falar com ela várias vezes, desde o último arrufo. Ligava para o telemóvel, ela não atendia. Falava com a D. Conceição pedindo para a filha lhe ligar. Este comportamento baralhava-a.

   Beijaram-se e ele avançou colocando os braços à volta da cintura de Madalena, apertando-a contra si. Estava a pedir sexo com uma capa de romantismo. Este era mais um dos tais pedidos de desculpas. Ela permaneceu calada por alguns segundos, olhando-o nos olhos e afastou-se, caminhando de seguida para a sala. Antes de se sentar, disse-lhe que tinham de conversar. Ele olhou-a, sério. Madalena apoderou-se do comando da televisão e desligou o estafermo do aparelho, sentando-se primeiro do que ele. Vitor sentou-se à beira do sofá com os dedos das mãos entrelaçados.

   Decidiu falar: — Eu sinto... desde há algum tempo a esta parte, que estás diferente.

   Vítor olhou-a com um ar surpreendido: — Diferente como?

   — Estás diferente. Ages comigo de forma diferente, estás frio. O teu comportamento mudou.

   — Eu não estou a perceber... o que é que se passa?

   — Nada. Só estás a anos-luz daquilo que eras para mim! Já não te interessa muito estar comigo, pois não? — Já que tinha começado, seria para doer.

   — Ó pá...é assim, eu não estou a perceber Madalena, tens andado esquisita e agora vens com essas coisas...

   — Claro, eu é que estou esquisita! Mas não sou eu que não quero namorar e sair para jantar fora e não sou eu que demonstro já não amar!

   — Ah, e eu demonstro isso? — perguntou, perplexo e encurralado.

   — Já não me amas pois não?

   — Mas porquê esta conversa — perguntou, aflito. — Explica-me!

   — Porque tu já não me amas! Tens outra?

   — O quê?!

   — Tens outra?

   — Não digas disparates! — ele levantou-se.

   — Responde! — ela levantou-se.

   — Não! Não tenho!

   — Não me estás a mentir?

   — Não tenho ninguém porra! — gritou.

   — Então porque é que não me ligas?

   — Mas eu ligo-te Madalena, eu ligo-te! — Vitor estava vermelho de cólera. E gritava.

   — Não me venhas com histórias! — Ela despejava as palavras, inclinada para a frente e com os punhos cerrados.

   — Mas que histórias Madalena, estás a ser estúpida! — Já se lhe notavam as veias do pescoço dilatadas. — Vamos falar com calma, por favor?

   — Não vale a pena, sabes. Porque eu acho que esta relação está nas últimas. — E decidiu arriscar. — Eu vi as tuas mensagens no telemóvel.

   Para surpresa dela, ele ficou em silêncio por uns instantes.

   — O que é que disseste? — perguntou Vitor, desarmado.

   — Vi as mensagens no teu telemóvel — repetiu ela, com uma firmeza encenada. Estava a fazer de tudo para manter a postura.

   — Agora andas a vasculhar o meu telemóvel?

   Madalena não estava preparada para ouvir esta pergunta, que lhe deu a certeza de que as desconfianças tinham fundamento. E, com os olhos húmidos, continuou a mentir: — Pois é, vasculhei.

   — Mas o que é que tu viste, Madalena? — perguntou Vitor com a voz trémula. — Merda… merda! Eu não queria…

   — Eu não vasculhei nada meu estúpido! Eu não vasculhei… — começou a chorar.

   — O quê? — Vitor olhava-a, espantado — o quê?!

   — Eu desconfiava, mas no fundo não acreditava que fosses capaz! — Madalena gritava a plenos pulmões. — Estúpido! Estúpido!

   — Pára… pára!

   — Para quê a mentira, Vitor? Porque não me disseste que seria melhor acabar?

   — Madalena…

   — Cala-te! Vou-me embora! — atirou, com a raiva a sair-lhe dos poros. — Espero que não me tenhas transmitido nenhuma doença, com a merda que andaste a fazer!

   Voltou costas e deixou-o, com uma decisão que não voltaria atrás. As recordações martelavam-lhe a cabeça no caminho para casa, numa condução nublada pelo cloreto de sódio, e nessa noite não dormiu até a mãe lhe dar um comprimido e ficar com ela deitada na cama. Dormiram abraçadas e de mãos dadas.

   Dias depois Mafalda enviou uma mensagem a Vitor para combinar uma ida lá a casa, para tirar as coisas dela, de preferência quando ele lá não estivesse.

   Passadas três semanas, Madalena foi ao apartamento, não respeitando o combinado. Apesar de terem terminado o namoro desta forma zangada, ela queria falar com ele.

   E falaram sem qualquer tipo de rancor da parte dela. A conversa foi serena, sem acusações e Madalena sentiu que foi o encerramento de um capítulo da sua vida, e foi menos doloroso do que ela pensava.

   Depois foi para Carcavelos e terminou a tarde a olhar o mar, sentada na esplanada a beber um gin tónico.

   Quanto ao Vitor, contactou-a pelo telemóvel mais duas vezes depois deste último encontro, a implorar que ela reconsiderasse, que voltasse para ele, porque ele já não tinha nada com a outra, que tinha sido um disparate muito grande e que não voltaria a ser estúpido e a cometer aquele erro.

   Madalena ouvira estas palavras com uma sensação estranhíssima, de não conhecer o homem com quem tinha namorado tanto tempo. Não parecia a mesma pessoa a falar. Era um discurso tão vulgar, daqueles que sempre ouviu nas novelas ou leu nos livros, e que não vira naquele que tinha sido o seu amor.

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