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Lately

Histórias, opiniões, desabafos, receitas...

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Histórias, opiniões, desabafos, receitas...


Miguel Mósca Nunes

18.01.23

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A doçaria não é para todos. Requer entrega, doses extra de paciência e muita calma. Na minha visão da coisa, é necessário saber o que estamos a fazer, e seguir as receitas nos seus ingredientes e instruções, mas, sobretudo, amar o que estamos a fazer e seguir a nossa intuição. Esse é um dos segredos, senão o principal, para que o resultado seja excepcional.

Eu gosto de bolos fofos, húmidos, que se derretam na boca, e que tenham um sabor único. E tudo isto só é possível se experimentarmos sucessivamente as receitas, até chegar ao ponto desejado, substituindo ingredientes e alterando quantidades, se for preciso.

Julia Child dizia que devemos aprender a cozinhar experimentando novas receitas, aprendendo com os nossos erros mas, acima de tudo, devemos ser destemidos e divertirmo-nos!

Uma premissa fundamental para mim é a de que devemos ser indulgentes no que diz respeito a culinária, querendo significar com isto que não nos devemos preocupar com dietas e restrições alimentares se queremos fazer pratos saborosos e especiais. Por exemplo, se a receita pede manteiga, devemos usar manteiga! Se é para usar açúcar, que se use! Sem culpas, sem medos! Quero lá saber da farinha de aveia, do óleo e do açúcar de coco! Os ovos benedict exigem molho holandês, que só é molho holandês por ter montes de manteiga! Desde que seja clarificada...

Outra coisa importantíssima: manteiga não é margarina! Se quiserem baixar significativamente a qualidade de um bolo, substituam a manteiga por margarina...

Outra fonte de problemas, e que passa despercebido porque é menosprezada, é a ausência de uma boa balança. Recomendo uma balança digital, que pesa os ingredientes com precisão. Por alguma razão uma receita pede 20 gramas de cacau ou 15 gramas de fermento e muito dificilmente se conseguem medir estas quantidades se não tivermos uma balança digital.

E, no meio destas dicas e sugestões, o que sobressai é a minha paixão pelos bolos.

 

 


Miguel Mósca Nunes

20.02.22

Pois é... já lá vai quase um ano, depois da nossa participação no All Together Now. Uma participação, numa produção apressada, de duas pessoas que se querem encontrar na arte, num país tão pequenino em termos de mercado. O que retiro desta experiência, para além dos nervos, é a satisfação de ter partilhado o palco com a minha filha. De ter dado um passo para me mostrar enquanto artista. De ter tido essa coragem! De olhar para trás e ver que poderia ter escolhido outro caminho. Mas se o tivesse feito, não teria, com toda a certeza, os filhos que tenho, nem sequer a mulher que tenho. E isso é insubstituível! Não voltaria atrás para mudar alguma coisa, porque isso implicaria não ter comigo estas preciosidades.

Como disse noutro post, Portugal continua pequenino para abraçar a arte, a diferença e o talento que brota todos os dias, que se quer mostrar numa luta frenética, cansativa e pouco compensatória.

Vi e ouvi tantos artistas maravilhosos, vi naqueles olhos a esperança de que aquela pudesse ser "a oportunidade", senti tantos nervos de quem não queria falhar, de quem queria dar o seu melhor, porque aquela poderia ser "a oportunidade".

Senti-me pequenino perante tanto talento, a cada ensaio que me passava pelos olhos só pensava: "o que é que eu estou aqui a fazer?!".

Antes de subir ao palco, estava tão enervado e inseguro que fiquei apático. Quase sem reação perande a aparição, de surpresa, da minha mulher. Só pensava que já não podiamos voltar atrás. "Espero que a Rita esteja tranquila... Espero que lhe corra bem. E se me faltar a voz? E se me enganar na letra? E se desafinar?".

Entrei no palco, e às primeiras palavras cantadas, desapareceu tudo, excepto a preocupação com a Rita e o orgulho de estar ali com ela, a sentir o privilégio de dividir palco com um dos seres mais incríveis que conheço.


Miguel Mósca Nunes

17.06.21

Capítulo III

 

 

   Num Domingo de Outubro encontrámo-nos na Avenida de Roma. Andámos por ali, sem rumo definido, só com o objectivo de desabafar uma com a outra.

   Falámos sobre o que nos ia na alma, ao mesmo tempo que fizemos comentários sobre os homens que passavam e sobre as montras de roupa. É curioso que, quando as mulheres que eu conheço falam dos homens, não o fazem da mesma forma que os homens quando estes falam das mulheres. O sentimento não é o mesmo. Ou se é o mesmo, não o escondem dos amantes. Acredito que seja assim para a maior parte de nós.

   Entre as duas, as apreciações não penetram no campo da nojeira dos comentários que os homens tecem. A maioria deles, mais ou menos discretos, são ordinários.

   Meu Deus, como são estúpidos. Basta passar por um grupo de homens que vão almoçar no intervalo do trabalho e escutar o que dizem para verificar que, mais uma vez, falam de mulheres. Muitas vezes atiram-nos ignomínias. E esta é uma faceta estanque, que não transparece na vida do santíssimo lar, para a respectiva mulher.

   Claro que este lado tão promíscuo e imundo não poderia ser transposto para as conversas ao serão e ao fim-de-semana, com a mulher e os filhos. Tem de ficar bem escondido, de segunda a sexta-feira, das nove às dezoito.

   Parece que esta gente anda a viver duas realidades distintas sendo que, no trabalho, com os colegas, ou no tempo livre, com os amigos, são pessoas expansivas, libertas e arejadas, tão arejadas ao ponto de a família ser arrastada para fora da memória pela ventania anestésica do vastíssimo campo visual.

   E, em casa, no conforto dos chinelos e do roupão, são recatados e uns fieis mentirosos. Haverá excepções?

   Parece que as mulheres estão a adquirir algumas características masculinas, das mais ridículas, mas tenhamos a esperança que seja uma percentagem muito reduzida. Não vamos, de oprimidas, passar para a estroinice e para a intrujice, sob a capa da emancipação.

   Esse seria um destino bastante redutor, o de passar de uma existência inteligente, cheia de sensibilidade, argúcia e paixão, para um lamaçal de mentira. Podemos experimentar vários homens ou mulheres, sem caminhar na falsidade.

   Bem sei que fomos escravizadas pelos homens e pelos seus malvados bons costumes, que só serviam para nós, mas a emancipação não significa perda de faculdades mentais!

   — Os homens são todos iguais — disse Madalena, com a habitual certeza que acompanha esta afirmação.

   —  Pois... sei lá, será que há excepções? Sabes, é muito fácil meter tudo em gavetinhas e catalogar as pessoas sempre da mesma maneira.

   — Ó Mafalda, tu não vês o Vitor! Está cada vez mais próximo do típico modelo masculino. — A sua expressão já estava a assumir a raiva que lhe mastigava as entranhas.

   — Tudo bem, pode ser que sim, mas ainda não falaste a sério com ele, não lhe disseste que estás insegura. Não lhe perguntaste o que é que ele anda a fazer.

   — Tenho medo.

   Fervilhava no meu espírito a inquietação de Madalena. Eu sentia que o Vitor fazia parte do mesmo rol de homens e que não seria a excepção.

   Depois de chegarmos à conclusão de que estávamos fartas do assunto, resolvemos divertir-nos e começar a fazer planos para o próximo fim-de-semana. Decidimos fazer uma viagem juntas para Portalegre, onde já tínhamos ido há bastante tempo. Seria bom passar pelos locais que tanto recordámos e comer aquelas migas deliciosas.

   Madalena tomou a decisão de não deixar passar mais tempo. Teria uma conversa séria com Vítor.

   Na segunda-feira seguinte, depois do trabalho, perto das sete horas da noite, foi ter a casa do namorado. Mal abriu a porta este fez logo uma expressão aparvalhada, esboçando um sorriso como que a pedir desculpa. Ele já tinha tentado falar com ela várias vezes, desde o último arrufo. Ligava para o telemóvel, ela não atendia. Falava com a D. Conceição pedindo para a filha lhe ligar. Este comportamento baralhava-a.

   Beijaram-se e ele avançou colocando os braços à volta da cintura de Madalena, apertando-a contra si. Estava a pedir sexo com uma capa de romantismo. Este era mais um dos tais pedidos de desculpas. Ela permaneceu calada por alguns segundos, olhando-o nos olhos e afastou-se, caminhando de seguida para a sala. Antes de se sentar, disse-lhe que tinham de conversar. Ele olhou-a, sério. Madalena apoderou-se do comando da televisão e desligou o estafermo do aparelho, sentando-se primeiro do que ele. Vitor sentou-se à beira do sofá com os dedos das mãos entrelaçados.

   Decidiu falar: — Eu sinto... desde há algum tempo a esta parte, que estás diferente.

   Vítor olhou-a com um ar surpreendido: — Diferente como?

   — Estás diferente. Ages comigo de forma diferente, estás frio. O teu comportamento mudou.

   — Eu não estou a perceber... o que é que se passa?

   — Nada. Só estás a anos-luz daquilo que eras para mim! Já não te interessa muito estar comigo, pois não? — Já que tinha começado, seria para doer.

   — Ó pá...é assim, eu não estou a perceber Madalena, tens andado esquisita e agora vens com essas coisas...

   — Claro, eu é que estou esquisita! Mas não sou eu que não quero namorar e sair para jantar fora e não sou eu que demonstro já não amar!

   — Ah, e eu demonstro isso? — perguntou, perplexo e encurralado.

   — Já não me amas pois não?

   — Mas porquê esta conversa — perguntou, aflito. — Explica-me!

   — Porque tu já não me amas! Tens outra?

   — O quê?!

   — Tens outra?

   — Não digas disparates! — ele levantou-se.

   — Responde! — ela levantou-se.

   — Não! Não tenho!

   — Não me estás a mentir?

   — Não tenho ninguém porra! — gritou.

   — Então porque é que não me ligas?

   — Mas eu ligo-te Madalena, eu ligo-te! — Vitor estava vermelho de cólera. E gritava.

   — Não me venhas com histórias! — Ela despejava as palavras, inclinada para a frente e com os punhos cerrados.

   — Mas que histórias Madalena, estás a ser estúpida! — Já se lhe notavam as veias do pescoço dilatadas. — Vamos falar com calma, por favor?

   — Não vale a pena, sabes. Porque eu acho que esta relação está nas últimas. — E decidiu arriscar. — Eu vi as tuas mensagens no telemóvel.

   Para surpresa dela, ele ficou em silêncio por uns instantes.

   — O que é que disseste? — perguntou Vitor, desarmado.

   — Vi as mensagens no teu telemóvel — repetiu ela, com uma firmeza encenada. Estava a fazer de tudo para manter a postura.

   — Agora andas a vasculhar o meu telemóvel?

   Madalena não estava preparada para ouvir esta pergunta, que lhe deu a certeza de que as desconfianças tinham fundamento. E, com os olhos húmidos, continuou a mentir: — Pois é, vasculhei.

   — Mas o que é que tu viste, Madalena? — perguntou Vitor com a voz trémula. — Merda… merda! Eu não queria…

   — Eu não vasculhei nada meu estúpido! Eu não vasculhei… — começou a chorar.

   — O quê? — Vitor olhava-a, espantado — o quê?!

   — Eu desconfiava, mas no fundo não acreditava que fosses capaz! — Madalena gritava a plenos pulmões. — Estúpido! Estúpido!

   — Pára… pára!

   — Para quê a mentira, Vitor? Porque não me disseste que seria melhor acabar?

   — Madalena…

   — Cala-te! Vou-me embora! — atirou, com a raiva a sair-lhe dos poros. — Espero que não me tenhas transmitido nenhuma doença, com a merda que andaste a fazer!

   Voltou costas e deixou-o, com uma decisão que não voltaria atrás. As recordações martelavam-lhe a cabeça no caminho para casa, numa condução nublada pelo cloreto de sódio, e nessa noite não dormiu até a mãe lhe dar um comprimido e ficar com ela deitada na cama. Dormiram abraçadas e de mãos dadas.

   Dias depois Mafalda enviou uma mensagem a Vitor para combinar uma ida lá a casa, para tirar as coisas dela, de preferência quando ele lá não estivesse.

   Passadas três semanas, Madalena foi ao apartamento, não respeitando o combinado. Apesar de terem terminado o namoro desta forma zangada, ela queria falar com ele.

   E falaram sem qualquer tipo de rancor da parte dela. A conversa foi serena, sem acusações e Madalena sentiu que foi o encerramento de um capítulo da sua vida, e foi menos doloroso do que ela pensava.

   Depois foi para Carcavelos e terminou a tarde a olhar o mar, sentada na esplanada a beber um gin tónico.

   Quanto ao Vitor, contactou-a pelo telemóvel mais duas vezes depois deste último encontro, a implorar que ela reconsiderasse, que voltasse para ele, porque ele já não tinha nada com a outra, que tinha sido um disparate muito grande e que não voltaria a ser estúpido e a cometer aquele erro.

   Madalena ouvira estas palavras com uma sensação estranhíssima, de não conhecer o homem com quem tinha namorado tanto tempo. Não parecia a mesma pessoa a falar. Era um discurso tão vulgar, daqueles que sempre ouviu nas novelas ou leu nos livros, e que não vira naquele que tinha sido o seu amor.

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