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Lately

Histórias, opiniões, desabafos, receitas...

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Miguel Mósca Nunes

13.08.24

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Quando quero reflectir sobre o meu caminho e as escolhas que fiz, refugio-me na escarpa da alma, onde encontro a resposta para as dúvidas e o calmante para os receios. Um dia destes fui parar a Santa Cruz, em sonhos, à procura do embalo do oceano, e ali fiquei perdido, horas a fio.

Olho para trás e reconheço que poderia ter sido outra coisa completamente diferente. Poderia ter sido actor. Sim, era isso que gostaria de ter sido... um actor. Passei fugazmente pelo palco, nos ensaios de uma peça de Oscar Wilde, “A Importância de Se Chamar Ernesto”, encenada pelo João Mota. Era a Adelaide João que me abria a porta da Comuna, a porta para um mundo que acabaria por não ser meu. Aquele mundo era soturno, escuro, cheio de panos negros e cheirava a antigo, a passado e a desencanto, num país em que a arte não é para toda a gente e não é valorizada. Neste país a arte não é para todos. Não convém...

Lamentavelmente, só cheguei aos ensaios do segundo acto. Tudo aquilo terminou, sem sequer estrear, pela ausência do encenador... Não estaria para aturar um bando de entusiastas amadores e deixou de aparecer... Desencantado pela desconsideração e falta de compromisso, o elenco sucumbiu à frustração, desistiu da peça e desmembrou-se, mas tive ali o vislumbre do que queria ser, do futuro que queria para mim. Foi ali que tive a certeza...

Essa experiência, ainda que insatisfatória no plano das expectativas que criamos sobre as pessoas e, por isso, desilusória, fez com que tivesse a certeza absoluta de que queria ser Actor. Contudo, não foi suficientemente forte para vergar a cobardia e fazer com que mudasse totalmente o rumo da minha vida. Tinha de ser assim, caso contrário o meu presente não seria este. Tudo tem uma razão. Tudo faz sentido, mais cedo ou mais tarde. A expensas da minha vocação, tenho este agora que é maravilhoso, sobretudo pelas pessoas que estão comigo.

No final, lá mais para a frente, daqui a umas três ou quatro décadas (estou a ser optimista), sobrará o vento, as nuvens e o mar.

 

 


Miguel Mósca Nunes

30.05.21

O meu passado foi mais ou menos difícil, consoante as circunstâncias. Não posso esquecer que sofri, mas não posso escurecer a memória no que diz respeito aos momentos felizes, aos triunfos e, sobretudo, não posso esquecer que fui amado por várias pessoas.

E amei.

O amor é determinante para que o saldo seja positivo quando olho para a minha vida. Aos oitenta anos. Meu Deus, aos oitenta anos…

Sinto uma angústia profunda quando penso nos caminhos que poderia ter seguido, numa narrativa mais saborosa e melódica, comparando com as escolhas que fiz. A dúvida sobre o que não me aconteceu é cruel. Teria sido mais feliz?

Leonor. A minha querida Leonor. Fomos muito íntimos nas palavras e nas ideias mas nunca tivemos um contacto físico que ultrapassasse a troca habitual de beijos quando nos cumprimentávamos… há sessenta anos não seria normal de outra forma. Mas o toque dos lábios na face, aquele breve instante, era explosivo. Para os dois.

Falávamos de tudo, olhávamos para tudo, cheirávamos tudo, líamos tudo. Eramos almas gémeas, frequentávamos uma escola conservadora que não permitia manifestações físicas de carinho. E se havia vontade para as ter! Estávamos contidos, presos em coletes de força, tão libidinosos, encantados um pelo outro.

Ela é a mulher da minha vida, mas não a escolhi. Ter esta consciência, agora, é terrível. Seria muito melhor não saber.

Casou, cerca de quatro anos depois de termos falado pela última vez. Divorciou-se. Casou novamente.

Morreu há 48 horas. E eu estou aqui, de braço dado à minha mulher, trazido para o velório por um amigo em comum.

A olhar para Leonor como se não tivesse passado tempo nenhum.

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