Miguel Mósca Nunes
16.10.22
Vou falar-vos de um assunto que está relacionado com o Natal, pelo facto de, em termos temporais, ter culminado em Dezembro. Mais precisamente, em 4 de Dezembro de 1980. Lembro-me deste dia como se fosse hoje, por ouvir o jornalista da RTP, Raúl Durão, anunciar uma tão chocante notícia ao país: a morte do então Primeiro-Ministro de Portugal, Francisco Sá Carneiro.
Numa quinta-feira fria de Dezembro, tinha eu acabado de jantar e estava sozinho em casa com a minha mãe. O meu pai chegaria mais tarde por estar ainda a trabalhar. E aquela imagem televisiva a preto-e-branco ficou impressa na mimha memória. Esta é a explicação para o fascínio que me levou a ler, nestes últimos tempos e de forma compulsiva, cinco livros, que recomendo convictamente, para quem quer perceber um pouco melhor as sinuosidades da política portuguesa e mundial, e a história recente do nosso país.
Refiro-me, por ordem cronológica de leitura, aos seguintes títulos: "Francisco Sá Carneiro, Solidão e Poder", de Maria João Avillez, "Snu e a Vida Privada com Sá Carneiro", de Cândida Pinto, "Sá Carneiro", de Miguel Pinheiro, "Camarate, Sá Carneiro e as Armas para o Irão", de Frederico Duarte Carvalho e, finalmente, "Camarate", de Augusto Cid.
Leituras fascinantes estas, sobre o percurso de vida desta figura marcante, que atravessou a ditadura de forma quase invisível, até chegar a deputado da Ala Liberal, na Assembleia Nacional, em 1969, com intervenções marcadamente anti-regime, e depois a Primeiro-Ministro e ao fatídico dia 4 de Dezembro, numa altura em que o país estava ainda num processo de adaptação à democrecia, com o poder dos militares a fazer-se sentir, nomeadamente através do Conselho da Revolução. Leituras que relatam, sobretudo, as dificuldades que atravessou, o incómodo que a sua forte personalidade gerou, as intrigas e as traições por parte dos seus opositores, e dissidentes no seu próprio partido.
E, por outro lado, quem não aprecia um bom romance, este muito ricamente retratado por Cândida Pinto.
E que dirão os leitores sobre a conclusão a que se chegou, após sucessivas Comissões de Inquérito Parlamentar ao caso Camarate: ficou provado que se tratou de atentado, embora não tenham sido determinados os culpados.
E que curiosos são os indícios de participação de militares portugueses e da CIA no atentado, cujo móbil seria o tráfico de armas para o Irão (embora a última Comissão de Inquérito não tenha conseguido estabelecer um nexo de causalidade entre o atentado, o referido tráfico e a intervenção da CIA). Há rumores da ligação do Fundo de Defesa Militar do Ultramar a esta actividade, negada em entrevista ao Diário de Notícias, pelo General Ramalho Eanes, responsável institucional pelo referido organismo entre 1976 e finais de 1980 (ano em que foi extinto). O General reiterou que, naquele período, não foram assumidos quaisquer compromissos confidenciais, e que o fundo não serviu, após o 25 de Abril, para comprar ou vender armamento. A ligação ao tráfico de armas justificaria o interesse na eliminação de Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, já que estes dois estariam a investigar e a preparar-se para denunciar essa situação.
Muitos outros e surpreendentes indícios são revelados, argumentos de peso para suscitar a curiosidade dos leitores.
E que vontade tenho de saber como está agora o magnífico apartamento da Rua D. João V, onde viveram maritalmente Snu e Francisco. Coisa dificílima, que não me parece que alguma vez seja concretizável, embora mantenha uma acesa esperança.